Entrei na sala de meu escritório temporário para ser apresentada aos novos colegas de "redação". Reconheci um sujeito sentado e já fui mandando aquele "Eu conheço você de algum lugar...". Ah, foi rapidinho para a gente descobrir: a velha e boa Curitiba, onde passei bons e deliciosos anos da minha vida, surgiu na conversa. Depois algumas cervejas, Providências (aquela que se toma no boteco), confissões trocadas e eis que aquele sujeito simpático até demais para um curitibano (nascido em São Paulo, como eu, mas curitibano) virou meu "amigo de infância". No último domingo, o malandro levou o último pedaço do meu coração e ganhou meu apreço de vez: preparou um Barreado, assim mesmo, com letra maiúscula, a comida típica do litoral paranaense. Sensacional. Quem provou, amou. O Cyro - Cyrose para os íntimos e não pergunte de onde vem o apelido porque ele vai conseguir te provar que vodca vai bem com qualquer coisa - tem talento com as panelas. O meu barreado ele não vai provar. Primeiro, porque estou com vergonha do pobrezinho, e segundo, porque dá uma preguiça só de pensar em encarar a cozinha para isso... Como bem disse nosso cozinheiro no texto-receita que segue aí embaixo (uma das mais preciosas colaborações que este blog já teve), é preciso pachorra.
O que está em itálico é meu.
"Barreado com pachorra
Há várias formas de se fazer o barreado, prato tradicional do litoral paranaense. O cozinheiro sempre pode dar seu toque pessoal no preparo do rango. Eu sigo a receita da (minha) tia Raquel, que há mais de 20 anos pilota panelas de barro com maestria. Dela, além do interesse pelo fogão, herdei a paciência necessária para conduzir longos processos culinários. Então lá vai:
Ingredientes (para seis mortos de fome, segundo a tia)
· Um quilo de músculo e um de acém, cortados em cubo;
· 200 gramas de bacon magro picado (magro mesmo, sem gordura e sem o couro);
· 2 cebolas médias,
· 1 pimentão verde, pequeno;
· 1 maço gande de cheiro verde, sem coentro!;
· 1 ou 2 colheres de cominho puro, moído (cuidado, o excesso deste tempero “afoga” o prato);
· 2 colheres de sal, inicialmente. No decorrer do cozimento pode-se pôr mais;
· 1 pimenta vermelha dedo de moça, sem semente. Na falta dela, vai uma malagueta, não será heresia;
· 3 a 4 folhas de louro e 2 colheres de chá de pimenta do reino.
Mexe um pouquinho, cozinha um pouquinho
Pique todas as verduras e forre o fundo da panela com elas. Acomode as carnes e o bacon por cima e polvilhe os demais temperos. Não se preocupe com misturas que a coisa vai longe. Cubra com água até o nível da carne.
Reza a tradição e as lendas que o cozimento do barreado deve ser feito em panela de barro, cuja tampa é lacrada com uma goma à base de araruta, dentro de um buraco com brasas. É que no século 19 não havia panela de pressão em Morretes, Antonina e adjacências (cidades do litoral do Paraná, onde o prato nasceu). Qualquer fogão básico e aquela sua velha panela de cozinhar feijão dão conta do recado com muita honestidade.
Cozinhe na pressão entre 40 minutos e uma hora, em fogo baixo. Abra a panela, mexa a carne e reponha a água, se estiver faltando. Repita este procedimento até que a carne fique totalmente desfiada. Em geral, isso acontece de três a cinco vezes, em um intervalo de uma hora para cada “abre” de tampa.
Após a primeira fervida na pressão coloque uma chapinha de amianto sob a panela. Se não tiver, use a forma de pizza, o efeito é o mesmo. Use uma colher de pau pesada ou um soquete de feijão para acelerar o desmanche da carne, que aos poucos se mistura ao molho. Esta alquimia produz o barreado e justifica as horas gastas na frente do fogão.
Cheiro de matar a clientela
Nessas alturas do campeonato o cheiro do grude já estará matando a platéia presente ao convescote. Deixe o pessoal ainda mais esfomeado, sirva uma cachaça de boa qualidade. Comida de litoral sem a “marvada” não tem graça.
Enquanto a turma beberica, deixe o barreado cozinhar com a panela aberta por mais uma meia hora pra apurar o caldo. Acerte o sal e pronto!
Sirva com...
Banana da terra cozida com um pouco de açúcar. A tia orienta comprar as de casca bem preta, com cara de podre. Essas é que são boas. (Banana prata in natura também vai muito bem) Um arroz temperado com alho e cebola e uma boa farinha de mandioca branca completam a arquitetura do prato. Pimenta a gosto.
Diz um ditado “parnanguara” (ou seja, nascido em Paranaguá) que “quando o barreado fica bão, ocê morre de cumê, mas quando ele fica ruim, ocê morre de desgosto”. É isso aí. Se você teve a pachorra de chegar até aqui é porque tem talento pra coisa."
Há várias formas de se fazer o barreado, prato tradicional do litoral paranaense. O cozinheiro sempre pode dar seu toque pessoal no preparo do rango. Eu sigo a receita da (minha) tia Raquel, que há mais de 20 anos pilota panelas de barro com maestria. Dela, além do interesse pelo fogão, herdei a paciência necessária para conduzir longos processos culinários. Então lá vai:
Ingredientes (para seis mortos de fome, segundo a tia)
· Um quilo de músculo e um de acém, cortados em cubo;
· 200 gramas de bacon magro picado (magro mesmo, sem gordura e sem o couro);
· 2 cebolas médias,
· 1 pimentão verde, pequeno;
· 1 maço gande de cheiro verde, sem coentro!;
· 1 ou 2 colheres de cominho puro, moído (cuidado, o excesso deste tempero “afoga” o prato);
· 2 colheres de sal, inicialmente. No decorrer do cozimento pode-se pôr mais;
· 1 pimenta vermelha dedo de moça, sem semente. Na falta dela, vai uma malagueta, não será heresia;
· 3 a 4 folhas de louro e 2 colheres de chá de pimenta do reino.
Mexe um pouquinho, cozinha um pouquinho
Pique todas as verduras e forre o fundo da panela com elas. Acomode as carnes e o bacon por cima e polvilhe os demais temperos. Não se preocupe com misturas que a coisa vai longe. Cubra com água até o nível da carne.
Reza a tradição e as lendas que o cozimento do barreado deve ser feito em panela de barro, cuja tampa é lacrada com uma goma à base de araruta, dentro de um buraco com brasas. É que no século 19 não havia panela de pressão em Morretes, Antonina e adjacências (cidades do litoral do Paraná, onde o prato nasceu). Qualquer fogão básico e aquela sua velha panela de cozinhar feijão dão conta do recado com muita honestidade.
Cozinhe na pressão entre 40 minutos e uma hora, em fogo baixo. Abra a panela, mexa a carne e reponha a água, se estiver faltando. Repita este procedimento até que a carne fique totalmente desfiada. Em geral, isso acontece de três a cinco vezes, em um intervalo de uma hora para cada “abre” de tampa.
Após a primeira fervida na pressão coloque uma chapinha de amianto sob a panela. Se não tiver, use a forma de pizza, o efeito é o mesmo. Use uma colher de pau pesada ou um soquete de feijão para acelerar o desmanche da carne, que aos poucos se mistura ao molho. Esta alquimia produz o barreado e justifica as horas gastas na frente do fogão.
Cheiro de matar a clientela
Nessas alturas do campeonato o cheiro do grude já estará matando a platéia presente ao convescote. Deixe o pessoal ainda mais esfomeado, sirva uma cachaça de boa qualidade. Comida de litoral sem a “marvada” não tem graça.
Enquanto a turma beberica, deixe o barreado cozinhar com a panela aberta por mais uma meia hora pra apurar o caldo. Acerte o sal e pronto!
Sirva com...
Banana da terra cozida com um pouco de açúcar. A tia orienta comprar as de casca bem preta, com cara de podre. Essas é que são boas. (Banana prata in natura também vai muito bem) Um arroz temperado com alho e cebola e uma boa farinha de mandioca branca completam a arquitetura do prato. Pimenta a gosto.
Diz um ditado “parnanguara” (ou seja, nascido em Paranaguá) que “quando o barreado fica bão, ocê morre de cumê, mas quando ele fica ruim, ocê morre de desgosto”. É isso aí. Se você teve a pachorra de chegar até aqui é porque tem talento pra coisa."