22.10.07

Barreado da Pachorra (e do Cyro)





Entrei na sala de meu escritório temporário para ser apresentada aos novos colegas de "redação". Reconheci um sujeito sentado e já fui mandando aquele "Eu conheço você de algum lugar...". Ah, foi rapidinho para a gente descobrir: a velha e boa Curitiba, onde passei bons e deliciosos anos da minha vida, surgiu na conversa. Depois algumas cervejas, Providências (aquela que se toma no boteco), confissões trocadas e eis que aquele sujeito simpático até demais para um curitibano (nascido em São Paulo, como eu, mas curitibano) virou meu "amigo de infância". No último domingo, o malandro levou o último pedaço do meu coração e ganhou meu apreço de vez: preparou um Barreado, assim mesmo, com letra maiúscula, a comida típica do litoral paranaense. Sensacional. Quem provou, amou. O Cyro - Cyrose para os íntimos e não pergunte de onde vem o apelido porque ele vai conseguir te provar que vodca vai bem com qualquer coisa - tem talento com as panelas. O meu barreado ele não vai provar. Primeiro, porque estou com vergonha do pobrezinho, e segundo, porque dá uma preguiça só de pensar em encarar a cozinha para isso... Como bem disse nosso cozinheiro no texto-receita que segue aí embaixo (uma das mais preciosas colaborações que este blog já teve), é preciso pachorra.
O que está em itálico é meu.

"Barreado com pachorra

Há várias formas de se fazer o barreado, prato tradicional do litoral paranaense. O cozinheiro sempre pode dar seu toque pessoal no preparo do rango. Eu sigo a receita da (minha) tia Raquel, que há mais de 20 anos pilota panelas de barro com maestria. Dela, além do interesse pelo fogão, herdei a paciência necessária para conduzir longos processos culinários. Então lá vai:

Ingredientes (para seis mortos de fome, segundo a tia)
· Um quilo de músculo e um de acém, cortados em cubo;
· 200 gramas de bacon magro picado (magro mesmo, sem gordura e sem o couro);
· 2 cebolas médias,
· 1 pimentão verde, pequeno;
· 1 maço gande de cheiro verde, sem coentro!;
· 1 ou 2 colheres de cominho puro, moído (cuidado, o excesso deste tempero “afoga” o prato);
· 2 colheres de sal, inicialmente. No decorrer do cozimento pode-se pôr mais;
· 1 pimenta vermelha dedo de moça, sem semente. Na falta dela, vai uma malagueta, não será heresia;
· 3 a 4 folhas de louro e 2 colheres de chá de pimenta do reino.

Mexe um pouquinho, cozinha um pouquinho
Pique todas as verduras e forre o fundo da panela com elas. Acomode as carnes e o bacon por cima e polvilhe os demais temperos. Não se preocupe com misturas que a coisa vai longe. Cubra com água até o nível da carne.
Reza a tradição e as lendas que o cozimento do barreado deve ser feito em panela de barro, cuja tampa é lacrada com uma goma à base de araruta, dentro de um buraco com brasas. É que no século 19 não havia panela de pressão em Morretes, Antonina e adjacências (cidades do litoral do Paraná, onde o prato nasceu). Qualquer fogão básico e aquela sua velha panela de cozinhar feijão dão conta do recado com muita honestidade.
Cozinhe na pressão entre 40 minutos e uma hora, em fogo baixo. Abra a panela, mexa a carne e reponha a água, se estiver faltando. Repita este procedimento até que a carne fique totalmente desfiada. Em geral, isso acontece de três a cinco vezes, em um intervalo de uma hora para cada “abre” de tampa.
Após a primeira fervida na pressão coloque uma chapinha de amianto sob a panela. Se não tiver, use a forma de pizza, o efeito é o mesmo. Use uma colher de pau pesada ou um soquete de feijão para acelerar o desmanche da carne, que aos poucos se mistura ao molho. Esta alquimia produz o barreado e justifica as horas gastas na frente do fogão.
Cheiro de matar a clientela
Nessas alturas do campeonato o cheiro do grude já estará matando a platéia presente ao convescote. Deixe o pessoal ainda mais esfomeado, sirva uma cachaça de boa qualidade. Comida de litoral sem a “marvada” não tem graça.
Enquanto a turma beberica, deixe o barreado cozinhar com a panela aberta por mais uma meia hora pra apurar o caldo. Acerte o sal e pronto!

Sirva com...
Banana da terra cozida com um pouco de açúcar. A tia orienta comprar as de casca bem preta, com cara de podre. Essas é que são boas. (Banana prata in natura também vai muito bem) Um arroz temperado com alho e cebola e uma boa farinha de mandioca branca completam a arquitetura do prato. Pimenta a gosto.
Diz um ditado “parnanguara” (ou seja, nascido em Paranaguá) que “quando o barreado fica bão, ocê morre de cumê, mas quando ele fica ruim, ocê morre de desgosto”. É isso aí. Se você teve a pachorra de chegar até aqui é porque tem talento pra coisa."

8.10.07

Ricardo Linhares e seu Dry Martini (sem veneno, claro)

Com toda a criatividade que só alguém com o nome de Dolores pode ter, minha amiga me deu a idéia de entrevistar Ricardo Linhares para o Anastácia. Simplesmente, apenas o autor de Paraíso Tropical, com Gilberto Braga. A novela teve três chefs de cozinha como personagens e dois restaurantes em Copacabana, o nariz empinado do hotel Duvivier e o brasileiríssimo Frigideira Carioca. A contraposição entre as comidas "boa e honesta" e "modernosa" apareceu várias vezes ao longo da novela. E os autores claramente elogiavam a primeira e criticavam a segunda. Eis então que faço minhas perguntinhas "simples e despretensiosas". Pleno final da novela, mandei um email. Elegante como eu já imaginava, Ricardo respondeu, apenas poucos dias depois de revelar quem matou Taís (o Bope, dizem por aí). Gente finíssima. Obrigada, Ricardo.
(A foto é do restaurante L'Atelier, de Joel Rebuchon, em Nova York)

"Oi, Inês.

Td ótimo, obrigado. Desculpe a demora em responder. Com o final da novela, foi uma loucura. Agora é que estou conseguindo botar a vida em dia.

Respondo abaixo, bjs, Ricardo

1. O que você pediria no Frigideira Carioca?
Resposta: O clássico escondidinho de carne seca e aipim. Eu adoro esse prato e introduzi no cardápio do Frigideira.
2. O melhor restaurante que você já comeu na vida
Restaurante: L'Atelier, de Joel Robuchon. Em Paris e em Nova York.
3. Um prato inesquecível
Resposta: Todo o menu do El Bulli, do Ferran Adriá, é inesquecível. Experiência única na vida.
4. A melhor bebida para comemorar o fim de uma novela
Resposta: Dry Martini, mas sem veneno...
5. O que é uma "comida honesta"?
Resposta: Simples, consistente, sem pretensão. E saborosa, claro.
6. O que é intragável para você?
Resposta: Culinária modernosa, serviço pretensioso, comida ruim."

Os clássicos





E tome estrogonofe do Bar Lagoa, bife a rolê da Chupetinha, peixe ao molho de camarão com arroz de brócolis e batatas do Sindicato do Chopp, polvo à espanhola da Tasca do Edgar. Na Lagoa, em Vigário Geral, em Copacabana e em Laranjeiras, respectivamente. Como diz o Claret, "nunca houve". Dono destas informações, conclua (e coma) o que bem entender.