26.4.09

Soteropolitano



Diz o folclore que, certa vez, a Veja São Paulo elogiou o Soteropolitano. O restaurante lotou no mesmo domingo. Saía gente pelo ladrão. Aliás, só saía pelo ladrão quem conseguia entrar, porque a fila lá fora era grande. Os dois ou três garçons nunca tinham visto tanta gente. Eis que Júlio Valverde, o chef-músico-arquiteto, nervoso com a confusão, já suado, com a cabeça que mais parecia uma panela de pressão, surge na porta da cozinha e responde a alguém que insistia em pedir pressa no atendimento: "Ah, porra, eu não fiz restaurante para encher!" Isso é Julinho Valverde. Baiano, né?

Uma tarde de sábado no Soteropolitano lava a alma. Enquanto a voz gostosa de Juliana Valverde e o batuque do pai-chef Júlio espalham o samba pelo quintal, a gente come arrumadinho e moqueca (que pode ser de arraia, badejo, com ou sem frutos do mar, tem até moqueca de ovo!, e comem três pessoas), se embriaga um pouco de um caipirinha deliciosa, espanta os males. Sem pressa. Por isso fiz do Sotero minha segunda casa em São Paulo. Por isso fiz daqueles "soteropaulistanos" meus amigos de verdade. Mas, principalmente, fiz do Julinho meu chef-amigo preferido. E do seu purê de abóbora japonesa, que acompanha a carne de sertão, um dos primeiros da minha lista de inesquecíveis. Porque, como diz Ramiro, "o homem dá para arquiteto e músico", mas na cozinha é imbatível. Na última vez que estive lá, ouvi alguém dizer "esta casquinha de siri é a melhor que já comi na vida": mais uma declaração de amor para a sua coleção, Julinho. O Sotero é imperdível. E sem mais para o momento. Só a música de Gilberto Gil em homenagem a Caymmi, que, alguém me explica?, me faz lembrar o mestre Júlio:

Dorival é um Buda nagô
Filho da casa real da inspiração
Como príncipe, principiou
A nova idade de ouro da canção
Mas um dia Xangô
Deu-lhe a i-luminação
Lá na beira do mar (foi?)
Na praia de Arma-ção (foi não)
Lá no Jardim de Alá (foi?)
Lá no alto sertão (foi não)
Lá na mesa de um bar (foi?)
Dentro do coração


Soteropolitano
R. Fidalga, 340 - Vila Madalena, São Paulo, SP
Telefone: 3034-4881

25.4.09

Faisão Dourado





Brasília é diferente, e o pé-sujo aqui, não seria diferente, com o perdão da repetição (e da rima): causa estranhamento, como a própria cidade. Senão não estaria em Brasília. Fui apresentada pelo amigo Claudio Eugênio ao Faisão Dourado, um pé meiosujo-meiolimpo de responsa que não foge à regra. O ambiente é, digamos, esquisito. Cadeiras de plástico amarelas, que particularmente me irritam. Acabam com qualquer romantismo possível que se pode numa relação com um boteco. Mas, afinal, estamos em Brasília. Não dá para exigir muito neste sentido. O que importa é que o Faisão Dourado não decepciona, apesar do ambiente amarelo. Daqueles que põem na mesa comida brasileira-brasileira, preto no branco, carne de primeira, batata-frita sequinha, farofa gostosa. Para completar, a cerveja é de garrafa. Pode chegar.
Faisão Dourado
314 Sul - Bloco D - Asa Sul - Brasília - DF - (61) 3245-6521

20.4.09

De "bidon" pelo Sul da França*





Demorei, mas volto em grande estilo! Este blog não tem mesmo do que reclamar! Acaba de receber uma de suas mais belas contribuições, um texto delicioso do amigo Alexandre, que sabe-se lá o que anda aprontando no Sul da França a uma hora destas, mas seja lá o que for, certamente o está fazendo com uma taça de vinho na mão e um pedaço de queijo na outra. Companheiro, quero encher minha Perrier de "vin du pays" (que o meu charme "é tudo pose", você sabe), comprar embutidos e me acabar nas ostras!

De "bidon" pelo Sul da França*

Normalmente, quando viajantes brasileiros voltam de uma viagem ao sul da França, chegam cheios de histórias de mansões fantásticas à beira-mar, iates luxuosos e restaurantes estrelados. Com um misto de deslumbre, devaneio e uma pontinha de inveja, falam dos carrões importados, das lojas da moda e das jóias no pescoço das “cocottes”. Mas existe um outro “sul”, que não é o da chique Côte D’Azur, com suas “villas” e seus o milionários russos. Nem o da badaladíssima Cannes ou do exclusivo Cap Nègre, onde o presidente Sarkozy passa os fins de semana na mansão da sogra. Não, Anastácia. Há o sul dos vinhedos, das feiras coloridas e agitadas, das oliveiras e do francês simples e carregado de sotaque, que compra (muito) vinho no atacado e azeite com o vizinho produtor.

Saindo da Espanha e atravessando os Pirineus, chega-se a essa França pela Côte Vermeille. De repente, você se pega circulando, na estrada, entre os “terraços” de vinhedos plantados nos morros e o Mediterrâneo. A partir daí, pode tirar o “bidon” – como eles chamam o nosso galão – da mala para “abastecer” em qualquer “cave” de beira de estrada, normalmente de venda direta do produtor. É só chegar e encher o galão direto dos barris. Vinho bom e barato, como só o interior sabe proporcionar. É a versão francesa do alambique mineiro. Aqui, o orgulho do povo são a uva muscat, chamada de “Pérola do Roussillon”, e o “vin doux naturel”. São vinhos mais doces, bem mais fortes (16º de teor alcoólico, em média) e bebidos como aperitivos. Mas não falta a clássica merlot e o mais barateba, o “vin du pays”, eufemismo local para o clássico vinho de mesa. Na falta do galão, qualquer garrafa pet serve. Para não perder o charme, use uma de Perrier.

Você adoraria as feiras, Anastácia, onde compraria não só suas batatas, mas também os queijos, os embutidos e as azeitonas de todos os tipos: verde, preta, temperada, simples ou sob a forma de “olivadas”, que são pastinhas feitas com diversos tipos de temperos ou apenas misturando a azeitona triturada com um bom azeite extra virgem. As barracas dos “oliviers” são um festival de aromas. Nelas encontra-se também azeite no atacado, além dos temperados e perfumados. E, como estamos à beira-mar, não faltam as ostras frescas e mariscos da estação. E ali mesmo, na barraca ao lado, o viajante mais empolgado que decidir se aventurar no mundo dos vinhedos vai poder levar para casa uma muda de “merlot” ou de “muscat” e se tornar um verdadeiro “vigneron”.

A “siesta” é um direito quase sagrado e nada funciona à tarde. Então, bom mesmo, depois do almoço, é aproveitar a praia para um passeio ou, depois da primavera, quando a temperatura fica mais amiga, se esticar na areia com uma garrafa de rosé, ideal para dias ensolarados e festivos. Do bidon, é claro.

* Por Alexandre Arruda, jornalista e 'bon vivant' nas horas vagas - e nas ocupadas também.