24.5.08

Dedo de Deus na Picanha de Teresópolis




Na foto lá de cima, também lá em cima, está o Dedo de Deus, coisa mais linda que surge no meio do caminho de quem passeia por Teresópolis. Embora o céu esteja azul de morrer, o dia está frrrrrrio. E para espantá-lo, nada melhor que comer, claro. Traçamos um delicioso chorizo argentino no restaurante Casa da Picanha. A foto não saiu lá estas coisas, gente, eu sei, porque almoçamos tarde - a luz já não ajudava foto alguma sem flash (e eu não uso flash para as comidinhas nem sob tortura!). Bom, mesmo com a foto mediana, acredite: a carne estava sensacional. E mais sensacional ainda estava a farofa de ovo (puro ovo com manteiga!) e o arroz, que os bons frequentadores de boteco já abreviaram para "grego" (o de R$ 34,00 é indicado para uma pessoa, no entanto, seguimos a dica do garçom e pedimos este mesmo para duas. Deu e sobrou, sem brincadeira). Ops, mas a Casa da Picanha não é um boteco, muito pelo contrário. É bacanuda. O cardápio inclui ainda pratos como coxa de pato com risoto de funghi, truta na massa folhada, coelho ao curry. Infelizmente, estes ficaram para minha próxima visita. Ah, sim, já ia me esquecendo da cerveja local, uma preciosidade. Coisa da antiga, e fina, produzida com a água mineral das montanhas da cidade que, dizem, é xodó das cervejarias nacionais. Eu trouxe algumas para casa. Portanto, vá também à Casa da Picanha, coma e beba bem. Depois, como eu, volte rolando para casa. Hehehe.
Casa da Picanha
Av. Feliciano Sodré, 221 A - Teresópolis - RJ
tel: (21) 2742-0408

Doces de padaria



Eu não poderia deixar de publicar as fotos que sobraram da padaria de Teresópolis, a mesma que exibia a queijadinha abaixo. Brigadeiro, bomba, quindim, tortinhas de maçã... hum, vida longa aos doces de padaria!

21.5.08

Queijadinha, de Odivelas a Teresópolis

Vitrine de uma padaria no centro de Teresópolis, região serrana do Rio, ontem, às seis da tarde. E já que estava na cidade cujo nome homenageia a imperatriz Dona Teresa Cristina, mulher de Dom Pedro II, resolvi também homenagear os portugueses (como quase nunca faço, aliás). Aqui vai a receita de queijada de amêndoa extraída do Livro de Receitas da Útima Freira de Odivelas (Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 2000, com introdução e notas de Maria Isabel de Vasconcelos Cabral).

O Mosteiro de São Dinis e São Bernardo de Odivelas, fundado em 1295, sofreu com inúmeras pilhagens, principalmente napoleônicas, e acabou extinto em 1833. A monja Carolina Augusta de Castro e Silva foi última a deixar o lugar ("filha legítima de Romão José da Silva e de Maria Francisca dos Santos. Nasceu em Lisboa no dia 11 de janeiro de 1816, foi batizada na freguesia do Sacramento. Neta de Paulino José da Silva Barboza e de Anna Joaquina e materna de José Gomes da Costa e de Rosa Viterbo. Quero ser enterrada no semitério - sic - de Odivellas, e não em Lisboa, espero q. me fação - sic - esta última vontade."), e não sem levar consigo o já histórico livro de receitas do convento. Hoje, trata-se de um clássico, uma coleção de 209 receitas, algumas com nomes inspiradores como ovos de amor, bolos celestes, bolos da esperança, pastelinhos de boca de dama, bolos de raiva do rato. Sem falar na abundância de, é claro, ovos. Que tal um bolo de ovos recheado de... ovos moles? Então, fique com a queijadinha de Odivelas, ainda que ela não tenha nada a ver com a nossa, que leva côco ralado e nada de amêndoas...

"Queijadas de amêndoa
Em 480g de açúcar em ponto de cabelo bem alto, deita-se a mesma quantidade de amêndoa ralada; mexe-se muito bem e tira-se lume, conttinuando a mexer; deitam-se-lhe 6 gemas muito batidas; esta massa deve ficar dura; leva água de flor de laranjeira, açúcar e manteiga q.b.; fica pronta para ir ao forno."

15.5.08

Seu Gomes: desde 1935 dando de comer e beber a boêmios do Rio de Janeiro







A festa de 92 anos de Seu Gomes (que apaga as velas na foto lá em cima) foi tão sensacional quanto seu próprio balcão, o do Bar e Restaurante Urca, sobre o qual já falei aqui antes (a vista é simplesmente esta que aparece na última foto). Seu Gomes é um espetáculo, exatamente como seu restaurante-boteco também. Por isso, a festa, em pleno meio-dia de terça-feira, foi um sucesso, com direito a caricatura de Chico Caruso, que com seu vozerão também cantou... Caruso ("Te voglio bene assai..."). A música, aliás, não parou: forró, chorinho e até uma especial feita em homenagem ao aniversariante (a letra segue lá embaixo). Sem falar, é claro, no bacalhau com arroz de brócolis, nos bolinhos e pasteizinhos e na casquinha de siri comestível, o novo must do lugar. Mas o que mais interessa neste post não é nada disso, e sim a história deliciosa deste Gomes carioca: está no ramo dos botequins desde 1935 (!), sempre no Rio de Janeiro, e tem alimentado boêmios com petiscos deliciosos (meu preferido é o pastel de camarão) durante todos estes anos. Há 35 deles eferece aos seus frequentadores a vista que você vê na última foto (uma das que Fernanda Thedim, da Veja Rio, fez para mim. Valeu, gata!). Ele não merece um "Viva!"? Pois então, para o Seu Gomes tudo! É pique, é pique, é pique, viu, minha gente? Noventa e dois...
Agora, deixo vocês com as linhas de meu amigo Ivan Accioly, assessor de imprensa do Bar Urca.
Fala, Ivan!

"Até chegar, há 35 anos, ao bairro da Urca, Seu Gomes rodou a cidade. Foi dono do Botafogo Bar Sport Carioca, na Rua São Clemente, de 1936 a1939. De 39 a 1945, foi para o Mercado Municipal da Praça XV. Na sua busca pelas melhores oportunidades foi para a Praça da Bandeira, na Rua Barão de Iguatemi, onde um grande bar e restaurante abrigava sete mesas de sinuca. Manteve esse negócio por 17 anos, até 1962, quando cruzou novamente a cidade e voltou ao bairro do primeiro emprego: Ipanema. Lá comprou um bar na Rua Visconde de Pirajá 550. Em pouco tempo o ponto ficou conhecido como o Botequim do Gomes, famoso pela cerveja super gelada e os pasteizinhos. A explosão imobiliária fez Seu Gomes vender o ponto em 1972. No local foi erguido pelo empreendedor Sérgio Dourado o Shopping 550. Em busca de um lugar tranqüilo e bonito Seu Gomes encontrou na Urca o espaço que procurava.
Agora completa 35 anos no comando do Bar e Restaurante Urca, que gerenciou com sócios sem abandonar o objetivo de, como manda a tradição, botar os descendentes no negócio. Hoje, são três gerações de Armandos no trabalho diário, mas o comando permanece com o primeiro deles. Seu Gomes lidera 17 empregados fixos mais seis temporários, que são incorporados a cada fim de semana. Atento às oportunidades, há dez anos, já com 83, comandou a criação do restaurante na sobreloja do bar e proporcionou aos clientes uma alternativa ao tradicional atendimento com bebidas e petiscos que faz sucesso na mureta da Urca. Para o novo espaço, optou por um cardápio que tem os peixes como atração e faz a harmonia entre a cozinha brasileira e portuguesa."

13.5.08

Frango caipira da Fabi (e não é Totoco)





Se vocês pudessem sentir o cheirinho deste frango caipira... hummm... Meu domingo foi mineiríssimo, gente. Graças a uma grande amiga e cozinheira de mão cheia (ela sabe mesmo fazer uma deliciosa comidinha caseira), a Fabiana, de quem já dei aqui receitas de pão de queijo e broa de milho. Fabi trouxe o frango caipira que você vê na foto direto de Itapagipe, a cidadezinha de Minas onde nasceu - o frango não só nasceu na mesma cidade que ela, como na mesma fazenda. Aliás, foi criado pela mesma mãe. "Mas não era totoco, não", veio me explicando a Fabi. "Totoco? Que é isso, tá maluca?", perguntei. "Totoco, minina, é franguim de istimação!" Ah, entendi. Se fosse uma vaca, o Totoco se chamaria Mimosa... Enfim, o nosso não-Totoco estava DIVINO, MARAVILHOSO! Acompanhamentos obrigatórios: quiabo e angu (a receita dos dois segue junto, claro). No dia seguinte, não resisti e simplesmente me ofereci, já que a moça é vizinha: "Não quer me convidar para almoçar o resto do frango de ontem?". Hehehe. Comi até (de novo), nossinhora! E a receita é super simples, não precisa temperar o frango com antecedência, por exemplo.
Mas tem que ser caipira, que é muuuuuito mais saboroso. E manda brasa que você não vai se arrepender.
Frango caipira da Fabi (para 6 pessoas)
Ingredientes
- 1 frango caipira em pedaços (dá para seis e ainda sobra, os caipiras são bem mais encorpadinhos, viu? E não precisa dispensar os pés, o pescoço...)
- 2 cebolas grandes em pedacinhos e 1 em rodelas
- 5 dentes de alho picadinhos
- pimenta do reino moída na hora
- sal
- 3 colheres de sopa de óleo

Modo de preparo
Em uma panela funda, esquente o óleo, frite bem a cebola e o alho. Jogue os pedaços de frango e refogue até que fique bem douradinho. Cubra com água e acerte o sal e a pimenta. Cozinhe por cerca de 30 minutos ou até que o frango fique macio. Importante é servir com bastante caldo, que vai ficar bem temperadinho no final e serve para o angu.

Quiabo

Corte 1 quilo de quiabo em pedacinhos pequenos e despeje com alho picadinho em uma panela onde 3 colheres de sopa de óleo já estarão quentes. Não mexa muito para que não crie a tal baba (para quem não gosta dela, porque eu não ligo mesmo). Tempere com sal e pimenta. (Não use água. Fica muito menos saudável, porém mais gostoso, é fato)

Angu

Ferva um litro de água e despeje 3/4 de um copo de fubá de milho previamente dissolvido em água (complete o copo com água fria e mexa antes de jogar o fubá na panela com água quente, sacou?). Mexa sem parar durante cerca de 10 minutos. Este angu não leva tempero algum e tem a consistência de um mingau, bem molinho.

O prato está feito. A mesa ainda pode oferecer feijão, uma saladinha da alface e tomate e, claro, um arrozinho branco, e este é indispensável. Lá na casa da Fabi tinha tudo isso e mais uma pimentinha para alegrar. E a chave de ouro: goiabada com queijo minas. Ufa! Tem uma rede por aí?

12.5.08

Restaurante Turino




Resolvi procurar um restuarante do qual eu nunca tivesse ouvido falar, num lugar que não costumo frequentar e cuja comida/ambiente me parecessem simpáticos. Navegando na internet descobri o Turino, um italiano da Tijuca, no melhor estilo clássico. Excelente pedida para aqueles almoços especiais de domingo. A comida é ótima (o cardápio oferece uma grande varidade de massas), e sobre o custo-benefício nem se fala. Destaque especialíssimo para o couvert italiano tradicional, com tudo o que eu amo: berinjela assada, pimentões docinhos, azeitonas pretas imensas, tudo com muuuuuito azeite - R$ 18,00 -, além de pastinhas e muitos pães diferentes e gostosos. Para comer, fomos de "risotto nero" de lula (em sua própria tinta) - R$ 33,00 - e um parmiggiana com nhoque - 31,00 - que estava de babar. Confesso que gosto de risotos mais cremosos, mas raspei o prato. E de sobremesa, que ninguém é de ferro, torta mousse de chocolate com sorvete de creme. Enfim, arriscamos o Turino e valeu a pena. Aprovado.

Restaurante Turino
Rua Santa Sofia, 114, Tijuca, Rio de Janeiro
tels 2204-2000 e 2254-1818

10.5.08

Bom mesmo é Café Capital








"Bom mesmo é Café Capital / É bom / Bom mesmo é Café Capital / É bom / Há mais de meio século famoso ? Capital é café mais gostoso / Bom mesmo é Café Capital / É bom / Tomo um, tomo dois, tomo três / Porque / Depois de um Café Capital / Bom mesmo é Café Capital outra vez / É bom..."

O jingle que alardeava maravilhas do Café Capital não é do meu tempo, mas de tanto ouvir falar no danado parece que nasci ouvindo a tal musiquinha, muito simpática, aliás. Um dia, dando meus esbordeios pela "cidade" - como o carioca chama carinhosamente a "região central" da metrópole - topei com o estabelecimento cujo nome lá em cima, em letreiro ainda antigo, era o tal: Café Capital. Passei a frequentar, acompanhada de alguns colegas de "firma". O que se vê nas fotos é um pouquinho do ambiente, que ostenta uma decadência elegante - pelo que pude apurar, há mais de meio século está lá o Capital, na Marechal Floriano, quase esquina com Uruguaiana. As antigas máquinas de café (não é expresso, não, minha gente!), a simpatia dos funcionários, o carrinho estacionado em frente (não pude saber se está lá por abandono ou "em exposição") e o saboroso cafezinho farão você esquecer que há mesas tubulares horrorosas a sua volta - nunca ocupadas, é verdade. O charme é comprar a fichinha de R$ 1,00 no caixa, depositá-la no balcão e esperar pela xíxara quentinha, em pé, ali mesmo. Aliás, não é preciso dialogar com ninguém para ser servido, a dinâmica é simples: um real no caixa, uma ficha no balcão, uma xícara de café, dois ou três goles rápidos. E de volta ao trabalho que a vida segue.
(Em www.cafécapital.com você pode ouvir o jingle, ler receitas e dicas sobre como preparar um bom café)

9.5.08

Hora da fome (e batatas de novo)

Milanesa com salada de batatas do Bar Lagoa (leia sobre ele em restaurantes), um dos melhores filés do mundo. Baba, baby.

Batatinha calabresa

Sem palavras. Batata calabresa de boteco numa mesa de calçada. Bastante azeite. Muita pimenta calabresa e salsinha. Em São Paulo, o povo chama de "batata ao vinagrete" ou simplesmente "batatinha vinagrete", e a receita não leva pimenta calabresa. É fácil de fazer: batata bolinha, cozidinha com casca, claro, e deixa a gostosura 'tomar gosto do tempero', como se diz. Pode misturar bastante azeite, pimenta, salsinha. Para os paulistas que preferem o estilo local, bastante vinagre. Mas vão por mim: só azeite é mais saboroso... A tchutchuca da foto eu tracei no Antonio's, na esquina da Vinícius de Moraes com a Barão da Torre, em Ipanema (aliás, era um sabadão de sol e o chopp estava geladíssimo). E no Rio, boteco que não tiver esta iguaria no balcão não é boteco decente.

Para comer escondido




Torta de chocolate com avelãs do café que fica dentro da Livraria Travessa, em Ipanema, no Rio. Gente, posso dizer sem medo de errar: é ma-ra-vi-lho-sa. Merece duas fotos parecidíssimas, deste tamanho todo. Vou tentar descrever esta delícia: é uma torta molinha, com consistência que mais parece uma mistura de bolo com mousse de chocolate; a avelã, que eu amo, tem um sabor bem presente; tem um leve gostinho de brigadeiro...; por fim, a textura me faz sentir uma criança fazendo travessura, sabe? Comendo escondido para não dividir com ninguém...

Tia Chupetinha





Tia Chupetinha é um must! Deixo vocês com o texto delicioso que meu amigo Eduardo Marini - aliás, um gourmet de primeira - escreveu para a Revista Brasileiros e gentilmente cedeu ao Anastácia. E não preciso dizer mais nada (as fotos são minhas. A Brasileiros não publicaria estas imagens terríveis)

O Tempero de Tia Chupetinha
Um restaurante em plena favela de Vigário Geral, na Zona Norte do Rio, atrai famosos e até estrelas internacionais como o ex-talking head David Byrne. Tudo é digno de respeito,
mas o grande prato, é sem dúvida, a impagável dona do pedaço

Por Eduardo Marini

É sempre oportuno desconfiar de lugares em que a comida, na descrição do crítico, é “um mero detalhe”. Na maioria dos casos, esse clichê mais batido do que escalope de cantina serve para esconder armadilhas que oferecem propostas em vez de pratos. Mas para felicidade geral - e alegria particular de quem precisa explicar coisas como um fenômeno chamado Dona Chupetinha -, as exceções estão aí para nos salvar. Dona (ou Tia) Chupetinha é Lizietia Carmem Siqueira Rodrigues, 46 anos, uma representante impagável da alegria suburbana carioca. Dona de um bom humor de rachar catedral, Chupetinha virou queridinha de grande parte dos descolados do Rio de Janeiro à frente de um restaurante montado em plena Rua Paris. Rua Paris, favela de Vigário Geral, Zona Norte da cidade. Para provar sua costelinha de porco, a carne assada com aipim (assim os fluminenses tratam a mandioca), um suculento bife a rolê, uma saborosa farofa e, sobretudo, o ótimo feijão, celebridades atravessam várias vezes os 45 quilômetros que separam a sofisticação made in Zona Sul da favela, conhecida também por abrigar o primeiro núcleo da ONG AfroReggae. Entre outros, conhecem o segundo andar do sobrado da Rua Paris o ministro da Cultura, Gilberto Gil, sua mulher, a empresária e produtora cultural Flora Gil, o rapper Gabriel, o Pensador, os jornalistas Zuenir Ventura e Pedro Bial, a socialite Narcisa Tamborindeguy e o cantor e guitarrista escocês David Byrne, ex-líder da banda Talking Heads. André Skaf, filho do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, também esteve lá. Diante da experiência quase antropológica de passar uma tarde com a mestre-cuca em seu templo, a comida se torna um detalhe e isso, agora, é um elogio.

Tudo é digno de respeito, os preços não poderiam ser mais baixos (entre R$ 5 e R$ 7 por pessoa), mas o grande prato é mesmo Tia Chupetinha. Não há formalidade, nem mesmo a mais elementar, que resista à sua espontaneidade arrebatadora. “C., pare com essa m. de me chamar de senhora ou a gente não vai fazer p. nenhuma de entrevista, heim? Amor, você vai me dar beijinho carinhoso de colinho quando chegar aqui, vai né?”. Pedido feito, pedido aceito, foi fácil, ao entrar no restaurante, imaginar como seria a tal performance. Chupetinha correu em direção ao visitante, parou, sapecou-lhe um abraço forte, levantou as pernas e ordenou: “Segura e beija minha bochecha, seu m.”. Pedido feito, pedido aceito, pedido executado.

O apelido consolidou-se porque a chupeta dos tempos de criança jamais foi abandonada. “Chupo ainda, sim. A turma aqui em Vigário sempre me chamou de Chupetinha. Tenho umas três e aquele chupetão ali, ó, o símbolo da pensão”. E logo corrige: “Pensão, não. Restaurante. Melhor: restaurante, não. Agora, com vocês dizendo que eu sou gostosa, danada, poderosa, é Centro Gastronômico Tia Chupetinha”. E tome gargalhada. Tudo é muito simples, mas limpo e bem cuidado. O casamento da cultura portuguesa com a brasileira gerou no Rio as fartas porções da CCC, a Comida Carioca de Combate. Tia Chupetinha seria CCCC - Comida Caseira Carioca de Combate -, a combinação dessas referências com o que de melhor o subúrbio e o interior do Estado do Rio souberam tomar emprestado de mineiros, nordestinos e africanos.

Muitos chefs talvez sentissem a responsabilidade de cozinhar para uma estrela do quilate de David Byrne. Não foi o caso. “E eu lá sabia quem era esse camarada, meu filho? Eles só me disseram que era um estrelão, assim, um Roberto (Carlos) do país dele, quando ele já estava aqui”, lembra. “Fiquei é tirando onda, cantando umas coisas em inglês. O cara comeu pra caramba, mandou ver na minha carne. Ele é meio esquisitão, né não?”.

Lizietia e seus quatro irmãos nasceram e foram criados em Vigário Geral. Ela perdeu o pai quando tinha sete anos. A mãe, Dona Beatriz, que mora na casa ao lado, fazia faxina e limpava ônibus para sustentar os filhos. O caminho do reconhecimento como cozinheira começou a ser traçado, ironicamente, depois de uma tragédia que abalou o País: a chacina de Vigário Geral. No dia 29 de novembro de 1993, 21 moradores da comunidade foram assassinados por policiais. Nenhuma das vítimas tinha vínculo com a venda de drogas. Chamada a trabalhar como servente na ONG Casa da Paz, criada após a chacina, Chupetinha, sempre generosa, convidou alguns colegas para almoçar diariamente na sua casa. Tempos depois, passou a receber alguma coisa pelo serviço.
Demitida, ela ampliou o número de colegas em sua mesa e a coisa começou a andar. Anos depois, a chegada de operários para obras de saneamento da favela representou um salto ainda maior. Servia 80 refeições por dia. Neste período, ganhou de um engenheiro do projeto material e algum dinheiro para construir a cobertura da casa. A estrutura do restaurante estava montada. Hoje, ela mantém o negócio graças à ajuda do AfroReggae, que encaminha funcionários para fazer refeições, divulga o trabalho e orienta os interessados em conhecer o restaurante. “Devo gratidão e carinho ao (coordenador executivo do AfroReggae, José) Junior”, diz. Chupetinha não vende bebida alcoólica nem recebe pessoas envolvidas com o tráfico. “Eles trabalham no mundo deles e eu no meu, sem interferências”, diz.
A melhor maneira de chegar com segurança ao restaurante é entrar em contato com o núcleo de Vigário Geral do AfroReggae (21-3448-0821). Meses atrás, desavisados, quatro funcionários de uma rede de lojas de varejo fluminense resolveram chegar por conta própria. Foram parados por integrantes do movimento mas, depois da interferência da mestre-cuca e de Dagmar, sua amiga de infância e braço direito na cozinha, tudo terminou bem, entre travessas de feijão, farofa, saladas e generosos pedaços de costelinha.

Chupetinha tem dois filhos (o bailarino Raphael, integrante da companhia de Deborah Colker, e Michele) e dois netos. Mantém há 34 anos um casamento sólido com João Rodrigues, sete anos mais velho do que ela. Ela o conheceu aos 11 anos e, um ano depois, estavam juntos. Doce, de poucas palavras, ele serve de contraponto ao furacão que trata com comovente carinho. Recebida por João, a reportagem de Brasileiros, agora, neste início de noite, será levada por Chupetinha e Dagmar até a saída da favela. No caminho, a última pergunta: “Você abre de noite?” Não se pode dar uma chance nestes termos à verve de Tia Chupetinha. “De noite eu só abro pro João, aquele m. que você acabou de conhecer”. Gargalhada, gargalhada... “Vá com Deus, me dê aqui outro beijo de colinho e volte pra fazer farra, seu p., senão vou dizer pra todo mundo que sua reportagem ficou uma m.” Apenas por precaução: a festa na Rua Paris vai de segunda a sábado, das 11h às 17h.