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21.3.13
O pastel de choclo chileno
Dei uma entrevistinha rápida e leve sobre gastronomia e otras cositas para o site curitibano Reve de Mode (obrigada, Jaqueline!) outro dia. Falei sobre o pastel de choclo, comida típica chilena que provei em Santiago e que se tornou minha mais nova preferência gastronômica - até que outra venha no lugar, claro. O pastel de choclo não é um pastel, e sim uma espécie de mingau a base de milho e carnes em pedaços (vaca, frango e porco). Trata-se de uma receita exemplar da mistura de influências dos índios e espanhóis na culinária do país. Os primeiros usavam largamente o maiz (milho) na sua alimentação, enquanto os colonizadores trouxeram o hábito do consumo de carnes variadas - no Chile, o refogado de carne com cebola, aji (pimentas) e cominho se chama 'pino'. O resultado da cominação destes ingredientes e saberes é o pastel de choclo, este mingau perfumado, adocicado e levemente picante, recheado de carnes macias. Escrevo com água na boca.
27.3.12
Dei uma entrevista ao site Les Brasileiros, escrito por uma jornalista francesa que mora no Brasil, a Laurence. O site é bem interessante, fala sobre o Brasil e os brasileiros de maneira diferente, com matérias que explicam, por exemplo, o que é o "chá de panela", "a história do açaí", "o mercado de motéis no Brasil"... Curioso. A moça entrou em contato comigo porque tinha leu meu livro e adorou. Convidei-a para vir aqui em casa, tomamos café, provamos uma torta de banana que fiz com uma receita do livro Dona Benta e caímos na conversa. Teretetê, teretetê, tricô, tricô, foi uma delícia. Depois, Laurence transformou tudo em um ping-pong resumido e publicou aqui. Mas ainda melhor que conversar sobre comida de rua e tal, coisas sobre as quais adoro falar, foi saber da própria Laurence suas impressões gastronômicas e culinárias do Brasil. Ouvi coisas como "nunca vi um país onde as pessoas comem tanto", "aqui tem lugar para comer qualquer coisa, a qualquer hora, em qualquer rua...", "vocês brasileiros não têm hora para comer. Na França ninguém passa o dia beliscando", "os pratos são muito grandes, as porções para dois geralmente servem quatro pessoas". E a parte chata: "Aqui é absurdamente caro, e às vezes muito mais do que em Paris". É, pessoal, do jeito que a coisa vai, vamos acabar gordos e pobres. Ou não... (em homenagem ao querido Chico Anysio).
5.3.12
Moça bonita não paga
As fotos são de uma feira nos arredores de Paris. Antiiiiiigas... De 2005. Servem apenas para ilustrar a letra da canção que descobri na semana passada (valeu a dica, Ivan Accioly!): "Moça bonita não paga", do compositor Ratinho, morto no ano passado - e autor também de, entre outras, da famosérrima "Vai vadiar", com Monarco. Enfim, a letra do samba de 1982 da Caprichosos de Pilares fala sobre feiras e mercados, e é muito fofa.
PS.: Encontrei a letra aqui.
"Moça bonita não paga"
Vamos homenagear (Vamos homenagear)
A feira livre e o mercado popular (E o dito popular )
Quando vem o amanhecer
Um pouco antes do sol nascer
A feira livre está pronta
E nela desponta a cabrocha Lili
Fazendo o florista sorrir
E o vendedor ambulante
Dizer coisa interessante
Quando passa por ali (Lá vai Lili )
Vai seguindo seu caminho
Mas seu semblante se modifica
A flor se fere no espinho
Da inflação que se agita
O vendedor de laranja grita
Moça bonita aqui não paga
Pisa na casca de banana escorrega
Aqui não paga mas também não leva
Compra peixe Lili, compra peixe Lili)
Já é meio dia de bolsa vazia não pode sair) BIS
Tem zoeira, tem zoeira)
Hora de xepa é final de feira) BIS
A feira livre e o mercado popular (E o dito popular )
Quando vem o amanhecer
Um pouco antes do sol nascer
A feira livre está pronta
E nela desponta a cabrocha Lili
Fazendo o florista sorrir
E o vendedor ambulante
Dizer coisa interessante
Quando passa por ali (Lá vai Lili )
Vai seguindo seu caminho
Mas seu semblante se modifica
A flor se fere no espinho
Da inflação que se agita
O vendedor de laranja grita
Moça bonita aqui não paga
Pisa na casca de banana escorrega
Aqui não paga mas também não leva
Compra peixe Lili, compra peixe Lili)
Já é meio dia de bolsa vazia não pode sair) BIS
Tem zoeira, tem zoeira)
Hora de xepa é final de feira) BIS
28.2.12
Seu Fuad, sua picanha macia e os boêmios de ontem e hoje
Seu Fuad, que um amigo meu, na maior cara de pau e sem qualquer intimidade com o próprio, chama de "Fufu", é o dono de um restaurante (Esquina Grill do Fuad) forecedor de um gênero de comida que, se fosse no Rio, eu batizaria de CCC (Comida Carioca de Combate). Como é em São Paulo, podemos chamá-lo de CPC (o P é de paulista ou paulistana, obviamente). E até fica bonitinho neste caso, posto que CPC também era o combatente Centro Popular de Cultura, da UNE, e Fuad, reza a lenda, já deu de comer a muitos "subversivos" nos tempos da ditadura. José Dirceu, por exemplo, seria um deles. O restaurante do Fuad fica pertinho da Escola de Sociologia e Política - e do Mackenzie -, em Santa Cecília. Hoje, ostenta nas paredes dezenas de reportagens enquadradas sobre sua história, todas elogiando a qualidade dos pratos. É um especialista em carnes grelhadas. E são gostosas, embora as batatas e polentas não me apeteçam muito, têm aquele gosto de tempero pronto, qualquer coisa entre o ajinomoto e o sazón. Mas o lugar é agradável, por isso as batatinhas ficam em segundo plano. Peça uma picanha (deliciosa, macia) que leva o nome de "Ronaldo", em homenagem ao Fenômeno; vem acompanhada de agrião (e o que isso tem a ver com o jogador eu já não sei) e manteiga de alho, além da tal mandioca. Nas mesinhas da calçada - numa esquina arborizada - o clima é de festa, leve, e a cerveja de garrafa vem estupidamente gelada. Domingo tem fila de espera, como não poderia deixar de ser em se tratando de um bom restaurante em São Paulo. Recomendo ir à noite, durante a semana, quando o ambiente está mais próximo do original dos idos de 1968: impera a juventude boêmia, e quase não há famílias com crianças. Se encontrar o Fuad, pergunte sobre os velhos tempos.
1.12.11
O "Frango tite" de Ferreira Gullar
Faço aqui uma singela homenagem ao maior poeta brasileiro vivo - vivíssimo, diga-se, aos 81 anos - que pela segunda vez levou o Jabuti: uma historinha deliciosa contada por Ferreira Gullar, O Grande, que vem bem a calhar neste sítio. Atenção para o "realismo socialista dos restaurantes da Lapa". E para o "triste" significado de "tite", claro.
Frango tite
Não
tão rara quanto o peru nem tão frugal quanto o ovo, a galinha,
comida de domingo, era naquela época o símbolo da fome nacional.
Já muito antes de nós, o Barão de Itararé
diagnosticara: "quando pobre come frango, um dos dois está
doente".
Tenho proposto com
certa insistência que alguém escreva, no Brasil, a sociologia
da galinha, ou pelo menos defina o papel da galinha na psicologia nacional
(sem alusões ao sexo mal definido como fraco). Na biografia dos
brasileiros, na alma de cada um de nós, embrulhados aos nossos
sonhos e desejos, estão alguns cacarejos, uns batidos de asa, um
ovo roubado, uma clarinada matinal...Mas foi o Sá quem descobriu a saída. Se durante a semana, estávamos condenados ao restaurante do Calabouço, domingo tínhamos obrigação de melhorar o cardápio. E o problema não era simples, pelo menos para mim. No Calabouço, com uma carteira falsa de estudante, eu pagava dois cruzeiros por refeição. Pagamento simbólico evidentemente. Bendito simbolismo que eu, na literatura, tratava com desprezo. Mas, aos domingos, não havia Calabouço: tinha-se que enfrentar mesmo o realismo socialista dos restaurantes da Lapa.
Mas o Sá descobriu que no China da Riachuelo, perto dos Arcos, servia-se aos domingos por preço de banana um prato que se chamava, sem rodeios, frango com arroz. E era verdade. Esse prato restaurou em nós a perdida dignidade dos domingos de outrora, iluminados sempre por uma galinha-ao-molho-pardo ou um frango-com-farofa-de-miúdos... Era com outra alma que a gente agora lia os suplementos dominicais, almoçava média com pão e manteiga, e esperava a noite. Sim, porque o frango era servido precisamente às sete horas da noite. E a freguesia, naturalmente, era grande. A partir das 6 e meia começava a chegar o pessoal que, como quem não quer nada, espiava para as mesas e ficava por ali - pois o frango era pouco e ninguém queria correr o risco de degradar seu domingo. Às 7 em ponto, o garçom anunciava:
- Atenção, pessoal, vai sair o tite!
Seguia-se o rebuliço das últimas disputas e arranjos: "Dá licença de botar uma cadeira a mais na sua mesa?" "Mas já tem cinco." "Se não, vou perder o frango..." "Deixa o rapaz sentar." E lá vinha, em pratos feitos que fumegavam por cima de nossa cabeça, na bandeja do Jacinto, o frango com arroz, vendido inexplicavelmente por cinco pratas. Também, quinze minutos depois, quando mal acabávamos de devorar o último farelo do frango, já se ouvia, irônica, a voz do garçom:
- Acabou o tite! Agora só sopa de entulho!
O "tite "... Por que "tite"? Aquele domingo saí com essa pergunta na cabeça. O Jacinto não dizia "vai sair o frango", dizia "vai sair o tite"...
Manifestei minha estranheza aos companheiros de quarto e o Sá, que lia Novos Rumos, retrucou com desprezo:
- Curiosidade pequeno-burguesa. Vê se algum operário, podendo comer frango por cinco pratas, vai-se preocupar com a gíria do garçom!
O Sá tinha razão. Tratei de esquecer o problema e fomos, mais uma vez, ao frango do China, ao tite com arroz. Mas eu vivia os meus últimos domingos de glória, pois, pouco mais tarde, deparei com o Jacinto tomando hidrolitol, no Largo da Lapa, e não resisti.
- Tite é o seguinte - explicou-me ele. - O senhor Shio, dono do restaurante, faz as compras da semana todo domingo na feira do Largo da Glória. Os frangos e galinhas são trazidos em engradados, se machucam na viagem e alguns chegam na feira morre-não-morre. O senhor Shio, sabendo disso, vai logo perguntando pros feirantes: "Tem galinha tite? Tem galinha tite?" E assim - continuou Jacinto - compra tudo o que é galinha triste que há na feira. Umas estão apenas tristes, outras já morreram de tristeza, mas o chinês compra assim mesmo. E justifica: "Vai moler mesmo!" - disse Jacinto, soltando uma gargalhada. Eu ri também, mas sem achar a mesma graça. Dentro de meu estômago, acabara de se converter em tristeza a euforia de tantos jantares dominicais, a cinco cruzeiros velhos, velhíssimos. Quando contei a história ao pessoal, o Sá me fuzilou com os olhos "Você é um estraga-jantares!"
Fez-se um longo silêncio naquele anoitecer de domingo.
O Sá falou finalmente: - Bem, vamos à sopa de entulho!
29.3.10
Câmara Cascudo II

"Há muitos anos discutiu-se no Brasil se o esporte estava deseducando a mocidade ou era o alheamento às fontes da literatura clássica, dando equilíbrio, medida, clareza, disciplina.
Para mim, um dos fatores negativos é a decadência nacional da refeição doméstica, o abandono dos pratos tradicionais no cardápio de certos grupos sociais mais fornecedores de rapazes e moças aos colégios e às universidades. Não é o alimento em si, na potência intrínseca de sua substância, a fonte isolada da força vital. São os elementos psicológicos decorrentes da refeição. Cada vez há menos refeição e mais comidas, fáceis, encontráveis, vendidas nos botequins elegantes ou nas cantinas universitárias. A alimentação das classes jovens fundamenta-se numa série de sucedâneos e de "provisórios", de coisas supletivas, aperitivais, respondendo à fome sem eliminá-la. Há comida sintética, indicando na orla do menu o número de calorias contido. Prever, pelo dinamômetro, a intensidade da energia útil suficiente para abraçar a noiva. (...) Perde-se a continuidade na padronização do cachorro de qualquer temperatura e do sandwich de qualquer coisa. Do sapiens ao qualunque.
"História da alimentação no Brasil" (1967-1968)
pp.350-351, Global Editora, 2004
25.3.10
Câmara Cascudo I

Decidi que vou postar 'pílulas' de Câmara Cascudo, que pretendo serem diárias, vejamos. A leitura de "História da Alimentação no Brasil" (1967/1968) deveria ser obrigatória para qualquer brasileiro em formação escolar. Por acaso, hoje acordei irritada com a ideia de que dietas curam tudo, de que a salvação dos males do mundo está na mudança alimentar (estar irritada com a ideia não quer dizer que eu não concorde em parte com ela, que fique bem claro). O que me incomoda mesmo é o fundamentalismo. E adoro o tom muitas vezes irônico de Cascudo. Vamos lá, à página 366 da edição da Global, 2004:
"Aloysio de Castro, num discurso aos doutorandos [em Medicina, provavelmente?] de 1924, resume a sátira de Tristan Bernard aos imprevistos dietéticos. O homem gordo quis emagrecer. Exercícios. Dieta. Ficou com as pernas finas. Banhos de lama. Dieta. Resfriou-se. Laringite. Dieta. Curou-se mas o estômago tornou difícil a digestão; falta de apetite. Dieta gástrica, corretora. Voltou a engordar."
Ah, sim, parênteses: a foto é de uma barraca de orgânicos, com direito a 'grama' para curar todos os males, no inesquecível Borough Market, em Londres.
13.12.09
Caça, Idade Média e outras viagens


25.7.09
Pasta!
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6.5.09
Gigetto
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Gigetto
Rua Avanhandava, 63, Bela Vista, São Paulo
Rua Avanhandava, 63, Bela Vista, São Paulo
Telefone: 11-3256-9804
8.7.08
Viagem no tempo: coquetel de camarões
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Coquetel de Camarão
- 2 xícaras de maionese
- 3/4 de xícara de creme de leite
- 1/2 xícara de ketchup
- 1 colher de sobremesa de molho inglês
- 1 colher de sopa de gim
- 250 gramas de camarões pequenos cozidos
- 500 gramas de camarões médios cozidos
- sal e pimenta do reino
Modo de Preparo
1. Pique grosseiramente os camarões pequenos e coloque-os em uma tigela. Adicione a maionese, o molho inglês, o gim, o creme de leite e o ketchup. Tempere com sal e pimenta e misture bem. Leve à geladeira.
2. Coloque o creme em taças próprias, sobre gelo moído, e enfeite, colocando os camarões médios inteiros ao redor das taças.
3. Leve para gelar.
Anastácia também é cultura: Segundo o livro As cem receitas mais famosas do mundo, de Roland Gööck (uma publicação do Círculo do Livro que tem mais de 30 anos, presente da minha amiga Rosinha), os americanos inventaram o "coquetel de lagosta", nos anos 70. Mas, como diz o livro, "a lagosta não é, de fato, um manjar acessível", o autor sugere: "também podem servir com este molho camarões". Ou seja, tenho cá para mim que a moda do coquetel de camarões, que nos anos 70 e um pedaço dos 80 foi uma verdadeira febre mundial, nada mais seja que a releitura desta receita. Aliás, no livro de Gööck, a receita leva conhaque, e não gim, e ainda aspargos e cogumelos.
3.6.08
O Jardim Botânico, Dom João VI e sua galinha mourisca





As fotografias foram tiradas em diversos pedaços do Jardim Botânico, que no próximo dia 13 de junho completa 200 anos. Em 1808, o JB, que dá nome ao bairro onde está, na zona sul do Rio de Janeiro, nasceu com o nome de Jardim de Aclimação, criado por D. João, então príncipe regente e, mais tarde, Dom João VI. Foi a "casa" de Tom Jobim, que, diz a lenda urbana, era o único sujeito da cidade com passe livre: podia entrar e sair do parque a hora que bem entendesse. Lá dentro, depois de caminhar bastante (é imenso), pare para tomar um cafezinho no Café Botanica, que de espetacular tem apenas o fato de estar lá dentro (e precisa mais que isso?), em meio às árvores. Em homenagem a Dom João VI, o homem que amava frangos ("era capaz de devorar seis por dia, três no almoço e três no jantar", diz J.A. Dias Lopes em A canja do imperador) e incluiu ingredientes brasileiros na dieta de sua corte ("banana, feijão preto, carne-seca, algumas pimentas e farinha de mandioca, entre outros", ainda segundo Dias Lopes), reproduzo aqui a receita de Galinha Mourisca, que tirei do capítulo sobre Dom João no mesmo A Canja - livro que eu adoro, aliás, e já falei dele aqui.
Viva o Jardim Botânico! Viva Dom João VI!
Galinha Mourisca
Ingredientes
1 galinha de cerca de 2 quilos
100 gramas de toucinho cortado em pequenos pedaços
30 gramas de manteiga
1 cebola grande fatiada
150 ml de vinho branco
50 ml de suco de limão
6 ovos escalfados (abertos e cozidos em água quente)
6 fatias de pão caseiro
salsinha, hortelã, louro e coentro, picados a gosto
cebolinha-verde e canela moída para salpicar
sal e pimenta-do-reino moída a gosto
Preparo
1. Limpe a galinha e corte-a em pedaços, pelas juntas
2. Aqueça o toucinho e a manteiga numa panela de fundo grosso. Coloque a cebola e espere murchar. Junte a galinha, as ervas e a pimenta. Deixe-a dourar com a panela destampada e acrescente o vinho. Mexa bem e, quando o álcool evaporar, adicione o limão, o sal e a água, o suficiente para cozinhar a galinha.
3. Em uma panela com água quase em ponto de fervura, abra os ovos, poucos por vez e deixe-os cozinhar por uns três minutos. As claras devem ficar apenas opacas e as gemas, moles. Retire com uma escumadeira.
4. Coloque as fatias de pão em pratos fundos e, por cima, arrume a galinha. Disponha os ovos, polvilhe com a canela, a cebolinha-verde e sirva.
10.5.08
Bom mesmo é Café Capital





O jingle que alardeava maravilhas do Café Capital não é do meu tempo, mas de tanto ouvir falar no danado parece que nasci ouvindo a tal musiquinha, muito simpática, aliás. Um dia, dando meus esbordeios pela "cidade" - como o carioca chama carinhosamente a "região central" da metrópole - topei com o estabelecimento cujo nome lá em cima, em letreiro ainda antigo, era o tal: Café Capital. Passei a frequentar, acompanhada de alguns colegas de "firma". O que se vê nas fotos é um pouquinho do ambiente, que ostenta uma decadência elegante - pelo que pude apurar, há mais de meio século está lá o Capital, na Marechal Floriano, quase esquina com Uruguaiana. As antigas máquinas de café (não é expresso, não, minha gente!), a simpatia dos funcionários, o carrinho estacionado em frente (não pude saber se está lá por abandono ou "em exposição") e o saboroso cafezinho farão você esquecer que há mesas tubulares horrorosas a sua volta - nunca ocupadas, é verdade. O charme é comprar a fichinha de R$ 1,00 no caixa, depositá-la no balcão e esperar pela xíxara quentinha, em pé, ali mesmo. Aliás, não é preciso dialogar com ninguém para ser servido, a dinâmica é simples: um real no caixa, uma ficha no balcão, uma xícara de café, dois ou três goles rápidos. E de volta ao trabalho que a vida segue.
(Em www.cafécapital.com você pode ouvir o jingle, ler receitas e dicas sobre como preparar um bom café)
22.10.07
Barreado da Pachorra (e do Cyro)





O que está em itálico é meu.
"Barreado com pachorra
Há várias formas de se fazer o barreado, prato tradicional do litoral paranaense. O cozinheiro sempre pode dar seu toque pessoal no preparo do rango. Eu sigo a receita da (minha) tia Raquel, que há mais de 20 anos pilota panelas de barro com maestria. Dela, além do interesse pelo fogão, herdei a paciência necessária para conduzir longos processos culinários. Então lá vai:
Ingredientes (para seis mortos de fome, segundo a tia)
· Um quilo de músculo e um de acém, cortados em cubo;
· 200 gramas de bacon magro picado (magro mesmo, sem gordura e sem o couro);
· 2 cebolas médias,
· 1 pimentão verde, pequeno;
· 1 maço gande de cheiro verde, sem coentro!;
· 1 ou 2 colheres de cominho puro, moído (cuidado, o excesso deste tempero “afoga” o prato);
· 2 colheres de sal, inicialmente. No decorrer do cozimento pode-se pôr mais;
· 1 pimenta vermelha dedo de moça, sem semente. Na falta dela, vai uma malagueta, não será heresia;
· 3 a 4 folhas de louro e 2 colheres de chá de pimenta do reino.
Mexe um pouquinho, cozinha um pouquinho
Pique todas as verduras e forre o fundo da panela com elas. Acomode as carnes e o bacon por cima e polvilhe os demais temperos. Não se preocupe com misturas que a coisa vai longe. Cubra com água até o nível da carne.
Reza a tradição e as lendas que o cozimento do barreado deve ser feito em panela de barro, cuja tampa é lacrada com uma goma à base de araruta, dentro de um buraco com brasas. É que no século 19 não havia panela de pressão em Morretes, Antonina e adjacências (cidades do litoral do Paraná, onde o prato nasceu). Qualquer fogão básico e aquela sua velha panela de cozinhar feijão dão conta do recado com muita honestidade.
Cozinhe na pressão entre 40 minutos e uma hora, em fogo baixo. Abra a panela, mexa a carne e reponha a água, se estiver faltando. Repita este procedimento até que a carne fique totalmente desfiada. Em geral, isso acontece de três a cinco vezes, em um intervalo de uma hora para cada “abre” de tampa.
Após a primeira fervida na pressão coloque uma chapinha de amianto sob a panela. Se não tiver, use a forma de pizza, o efeito é o mesmo. Use uma colher de pau pesada ou um soquete de feijão para acelerar o desmanche da carne, que aos poucos se mistura ao molho. Esta alquimia produz o barreado e justifica as horas gastas na frente do fogão.
Cheiro de matar a clientela
Nessas alturas do campeonato o cheiro do grude já estará matando a platéia presente ao convescote. Deixe o pessoal ainda mais esfomeado, sirva uma cachaça de boa qualidade. Comida de litoral sem a “marvada” não tem graça.
Enquanto a turma beberica, deixe o barreado cozinhar com a panela aberta por mais uma meia hora pra apurar o caldo. Acerte o sal e pronto!
Sirva com...
Banana da terra cozida com um pouco de açúcar. A tia orienta comprar as de casca bem preta, com cara de podre. Essas é que são boas. (Banana prata in natura também vai muito bem) Um arroz temperado com alho e cebola e uma boa farinha de mandioca branca completam a arquitetura do prato. Pimenta a gosto.
Diz um ditado “parnanguara” (ou seja, nascido em Paranaguá) que “quando o barreado fica bão, ocê morre de cumê, mas quando ele fica ruim, ocê morre de desgosto”. É isso aí. Se você teve a pachorra de chegar até aqui é porque tem talento pra coisa."
Há várias formas de se fazer o barreado, prato tradicional do litoral paranaense. O cozinheiro sempre pode dar seu toque pessoal no preparo do rango. Eu sigo a receita da (minha) tia Raquel, que há mais de 20 anos pilota panelas de barro com maestria. Dela, além do interesse pelo fogão, herdei a paciência necessária para conduzir longos processos culinários. Então lá vai:
Ingredientes (para seis mortos de fome, segundo a tia)
· Um quilo de músculo e um de acém, cortados em cubo;
· 200 gramas de bacon magro picado (magro mesmo, sem gordura e sem o couro);
· 2 cebolas médias,
· 1 pimentão verde, pequeno;
· 1 maço gande de cheiro verde, sem coentro!;
· 1 ou 2 colheres de cominho puro, moído (cuidado, o excesso deste tempero “afoga” o prato);
· 2 colheres de sal, inicialmente. No decorrer do cozimento pode-se pôr mais;
· 1 pimenta vermelha dedo de moça, sem semente. Na falta dela, vai uma malagueta, não será heresia;
· 3 a 4 folhas de louro e 2 colheres de chá de pimenta do reino.
Mexe um pouquinho, cozinha um pouquinho
Pique todas as verduras e forre o fundo da panela com elas. Acomode as carnes e o bacon por cima e polvilhe os demais temperos. Não se preocupe com misturas que a coisa vai longe. Cubra com água até o nível da carne.
Reza a tradição e as lendas que o cozimento do barreado deve ser feito em panela de barro, cuja tampa é lacrada com uma goma à base de araruta, dentro de um buraco com brasas. É que no século 19 não havia panela de pressão em Morretes, Antonina e adjacências (cidades do litoral do Paraná, onde o prato nasceu). Qualquer fogão básico e aquela sua velha panela de cozinhar feijão dão conta do recado com muita honestidade.
Cozinhe na pressão entre 40 minutos e uma hora, em fogo baixo. Abra a panela, mexa a carne e reponha a água, se estiver faltando. Repita este procedimento até que a carne fique totalmente desfiada. Em geral, isso acontece de três a cinco vezes, em um intervalo de uma hora para cada “abre” de tampa.
Após a primeira fervida na pressão coloque uma chapinha de amianto sob a panela. Se não tiver, use a forma de pizza, o efeito é o mesmo. Use uma colher de pau pesada ou um soquete de feijão para acelerar o desmanche da carne, que aos poucos se mistura ao molho. Esta alquimia produz o barreado e justifica as horas gastas na frente do fogão.
Cheiro de matar a clientela
Nessas alturas do campeonato o cheiro do grude já estará matando a platéia presente ao convescote. Deixe o pessoal ainda mais esfomeado, sirva uma cachaça de boa qualidade. Comida de litoral sem a “marvada” não tem graça.
Enquanto a turma beberica, deixe o barreado cozinhar com a panela aberta por mais uma meia hora pra apurar o caldo. Acerte o sal e pronto!
Sirva com...
Banana da terra cozida com um pouco de açúcar. A tia orienta comprar as de casca bem preta, com cara de podre. Essas é que são boas. (Banana prata in natura também vai muito bem) Um arroz temperado com alho e cebola e uma boa farinha de mandioca branca completam a arquitetura do prato. Pimenta a gosto.
Diz um ditado “parnanguara” (ou seja, nascido em Paranaguá) que “quando o barreado fica bão, ocê morre de cumê, mas quando ele fica ruim, ocê morre de desgosto”. É isso aí. Se você teve a pachorra de chegar até aqui é porque tem talento pra coisa."
11.7.07
Farofa de pinhão


"Pinhão, generoso fruto da árvore-símbolo do Paraná
Um dos alimentos essenciais dos índiose dos primeiros povoadores do Paraná e do Sul do Brasil, o pinhão, fruto da árvore-símbolo do Paraná, o pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia), deu base para muitos pratos típicos da cozinha da região mais fria do País, onde esta extraordinária árvore da família das araucariáceas foi rainha.
O Paraná era a terra mais fértil para o pinheiro. A cozinheira de mão cheia Jaçanã Fagundes Coelho de Souza Groff, ou Jaça, como todos a conhecem, da tradicional família Fagundes, de Campos Novos, Oeste de Santa Catarina, onde o pinheiro também sempre foi fértil, mantém viva a alma e as comidas da terra. Eis aqui a receita de Jaça, que rememora os primeiros passos da cozinha sulista.
Farofa de Pinhão
Ingredientes (para 6 pessoas)
5 kg de pinhão
2 kg de carne de pernil de porco
1 kg de toucinho branco (torresmo)
sal
Preparo
Cozinhe o pinhão até que comece a abrir (cerca de 1 hora e meia). Tire a pele eventual que restar do pinhão (para não amargar). Passe no processador ou liquidificador, para moê-lo, de forma que fique mais ou menos granulado. Leve o toucinho cortado em cubos ao forno, em uma panela, para virar torresmo. Reserve o torresmo. Nesta mesma panela com parte da gordura, adicione a carne de pernil em cubos e tempere somente com sal. Frite (na chama do gás) até que a carne esteja bem tostada. Devolva o torresmo à panela e junte, aos poucos, a "farofa" de pinhão, mexendo constantemente. Acrescente mai um pouco da gordura extraída do toucinho (para não secar), até finalizar. Acompanhamentos: leitão assado, arroz e salada."
31.5.07
Fasano e o The Fat Duck, agora em versão integral
Gente, por favor, não percam este texto. É um espetáculo. E veja as fotos do lugar no post mais abaixo.
Minha primeira vez com as espumas
O restaurateur Rogério Fasano foi à Inglaterra experimentar a comida de vanguarda do Fat Duck, do chef Heston Blumenthal. No menu, sorvetes salgados, texturas estranhas e até mesmo um iPod para completar a experiência sensorial, como ele descreve
Rogério Fasano
Desde criança, sou daqueles conhecidos como "do contra". Basta inventarem uma nova tendência ou modismo que procuro uma ponte - parapassar por cima. Esse jeito de ser me faz invariavelmente adepto doditado "não fui, não vi e não gostei". Por isso, demorei tanto tempopara tomar conhecimento da chamada "atual modernidade gastronômica". Resolvi começar pelo que os aficionados desse tipo de cozinhaconsideram o mais ousado do mundo, o Fat Duck, a uma hora de Londres. Para quem não sabe, o chef Heston Blumenthal compete com Ferran Adrià, ano sim, ano não, como o melhor do mundo em várias publicações. Lá estamos, mesa para cinco: eu, minha mulher Ana, Drauzio Varella,sua mulher Regina e um amigo em comum, Isay Weinfeld (com quem já dividi inúmeros giros gastronômicos pela Itália). No caminho, fizemostodos a promessa de que iríamos sem preconceitos, para abrir nossasobtusas cabeças e entrar na experiência inglesa gastromolecular de Mr.Blumenthal. Afinal de contas, a Inglaterra é o berço da modernidade, e não é à toa que lá estão os geniais Paul Smith, Radiohead e JamieOliver
Apesar disso, no caminho sentia um certo frio na barriga. Nem a paz e a beleza do interior da Inglaterra eram capazes de me deixar mais tranqüilo. Tinha medo do que estava por vir. Venho de uma família que tem como filosofia que uma refeição perdida nunca é recuperada, daísofrermos tanto quando reclamações procedentes nos são feitas. Acidade é Bray; o lugar, um antigo cottage, arquitetonicamente charmoso, mas destruído por cinco quadros supostamente modernos, que fariam Picasso franzir a testa. Vamos ao que interessa:
Antipasto 1: nitro chá verde e mousse de limão.
Uma espuma de limão extraída de um sifão é jogada dentro de um potecom nitrogênio a 150 graus negativos, tornando-se imediatamentesólida, a comida vapt-vupt. O efeito? Quase nulo. Apenas amortece um pouco a língua; se soubesse o que viria pela frente, teria comido estas bolinhas como pipoca, para amortecer de vez o palato.
Antipasto 2: Ostra com molho de maracujá em mousse de gelatina.
Gostaria de deixar aqui uma pergunta: existirá no universo algum tipode molho que melhore uma ostra? Duvido. O nosso era um desses molhos que a nova cozinha tanto adora. Fico imaginando quem foi o sujeito queinventou que a comida gourmand tem que ser agridoce. Guilhotina nele.
Antipasto 3: Sorvete de mostarda com gaspacho de beterraba.
Desfrutamos o gaspacho de beterraba, com um insípido pãozinho servido frio. Quanto ao sorvete de mostarda, é exatamente o que se pode imaginar de um sorvete de mostarda. Estranhíssimo.
Antipasto 4: Pequenas geléias de sabores variados, que não consigodescrever, e cuja matéria-prima ninguém conseguiu identificar.
Antipasto 5: Pequenas torradas com trufas pretas. Excepcionalmente, são sólidas e normais na aparência. Chegaram a ser negociadas a pesode ouro, mas ninguém vendeu as suas. Mesmo sabendo, nós e o Sr. Blumenthal, que as trufas encontradas nesta época do ano são as piores que existem. Gostaria de fazer aqui um aparte: trufa é algo sublime que costuma mudar para melhor quase tudo aquilo que toca. Não confundir com óleo de trufa, que costuma ter o efeito contrário: destrói tudo e parece feito pela Esso, pois tem gosto de gasolina.
1º prato: Escargots com presunto espanhol e erva doce "barbeadas". Muito saboroso.
2 º prato: A quantidade de açúcar que acompanha o foie gras com cereja e camomila nos trouxe de volta à realidade.
3 º prato: Chamado sound of the sea; um espuma branca de textura estranhíssima, com uma espécie de areia-farofa servida ao lado. Eacompanhada de quê? De um iPod. Sério! Todos nós recebemos o aparelho, que fomos obrigados a usar, e que reproduzia barulhos do mar. Detalhe: o meu tinha uma camada extra de cera no fone de ouvido, deixada peloúltimo comensal. Fingi que não percebi e coloquei o meu, afinal decontas as pessoas vão ao Fat Duck para aplaudir, não para reclamar. Fica aqui uma sugestão, seria muito mais higiênico e faria o mesmo efeito, uma concha marinha.
Após retirarmos o iPod, Regina comentou: "Estive mês passado no que é considerado o restaurante mais antigo do mundo, que serve assados em Madri". A mesa quase veio abaixo. A curiosidade voltou-se toda para oque Regina havia comido. Isay, eu e Ana comentávamos o excepcional jantar que tivemos no Harry's Bar de Londres, um clube privado, que serve cozinha italiana, na síntese da modernidade: rústica, porém delicadíssima.
4 º prato: Já estava perdendo a paciência com nosso amigo Pato Gordo quando chegou um salmão pochê com aspargos, alcaçuz e grapefruit. Semexageros, considero o pior salmão que comi na vida.
Último prato: Excepcional costeleta de carneiro, porque estávamos naterra do melhor carneiro do mundo, mas era servida com um molho doce, muito doce. O Fat Duck é quase uma confeitaria, que serve alguns salgados.
Meu jantar aqui chegou ao fim. Pulei os doces, pois já tinha comido açúcar demais. Assim fez também Drauzio, que não come açúcar e já tinha ingerido sua dose pelos próximos 20 anos. A sobremesa mais famosa do lugar é um sorvete assim descrito: "nitro-ovos mexidos esorvete de bacon". Se o sorvete de mostarda já tinha sido duro, o que fazer então com a versão em bacon?
Os outros à mesa receberam o sorvete, mas apenas o tocaram, o que deixou os maîtres um pouco indignados. Não nos importamos muito, pois sabemos que nesses restaurantes, na grande maioria das vezes, o serviço é insuportável. Desde que alguns chefs foram elevados à categoria de diretores de cinema, seu staff age como coadjuvante degrandes estrelas. Eles se sentem contracenando com Marlon Brando oucomo assistentes de câmera de Stanley Kubrick.
Exceção feita a um simpático irlandês, ruivo, que a cada esquisitice servida à mesa, com muita ironia, após dez minutos de explicação decada prato, nos dizia: enjoy it! Como os recepcionistas da casa doshorrores.
Olhei para Isay - arquiteto moderno, antenado, culto, contemporâneo, enfim, entre os grandes - e entendi o que ele sente quando esta arquitetura feita com formas esdrúxulas é considerada moderna.
The end: a conta, 1.300 libras ou R$ 5.600, incluindo uma minúsculataça dos seguintes vinhos e saquê: Iphofer Kronsberg Silvaner SpatleseTrocken 2005; Vin de Pays des Côtes Catalanes, Le Soula, Roussillon;Vinoptima Gewürztraminer Reserve Gisborne; Rashiku Ginjo-SakeYamatogawa; Quinta da Falorca Reserva Dão; Barolo, Nei Cannubi LuigiEinaudi. Voltamos ao nosso motorista, mais inglês impossível, eacostumado a levar pessoas ao Fat Duck, que com muito sarcasmopergunta: "Any good?" Isay de bate pronto: "No". Motorista: "Lots of people say that". Penso: nem tudo está perdido.
(PS: Se você quiser passar pelo mesmo tipo de refeição, a espera é de aproximadamente dois meses.)
* Rogério Fasano é proprietário dos restaurantes Fasano, Parigi e Gero
Minha primeira vez com as espumas
O restaurateur Rogério Fasano foi à Inglaterra experimentar a comida de vanguarda do Fat Duck, do chef Heston Blumenthal. No menu, sorvetes salgados, texturas estranhas e até mesmo um iPod para completar a experiência sensorial, como ele descreve
Rogério Fasano
Desde criança, sou daqueles conhecidos como "do contra". Basta inventarem uma nova tendência ou modismo que procuro uma ponte - parapassar por cima. Esse jeito de ser me faz invariavelmente adepto doditado "não fui, não vi e não gostei". Por isso, demorei tanto tempopara tomar conhecimento da chamada "atual modernidade gastronômica". Resolvi começar pelo que os aficionados desse tipo de cozinhaconsideram o mais ousado do mundo, o Fat Duck, a uma hora de Londres. Para quem não sabe, o chef Heston Blumenthal compete com Ferran Adrià, ano sim, ano não, como o melhor do mundo em várias publicações. Lá estamos, mesa para cinco: eu, minha mulher Ana, Drauzio Varella,sua mulher Regina e um amigo em comum, Isay Weinfeld (com quem já dividi inúmeros giros gastronômicos pela Itália). No caminho, fizemostodos a promessa de que iríamos sem preconceitos, para abrir nossasobtusas cabeças e entrar na experiência inglesa gastromolecular de Mr.Blumenthal. Afinal de contas, a Inglaterra é o berço da modernidade, e não é à toa que lá estão os geniais Paul Smith, Radiohead e JamieOliver
Apesar disso, no caminho sentia um certo frio na barriga. Nem a paz e a beleza do interior da Inglaterra eram capazes de me deixar mais tranqüilo. Tinha medo do que estava por vir. Venho de uma família que tem como filosofia que uma refeição perdida nunca é recuperada, daísofrermos tanto quando reclamações procedentes nos são feitas. Acidade é Bray; o lugar, um antigo cottage, arquitetonicamente charmoso, mas destruído por cinco quadros supostamente modernos, que fariam Picasso franzir a testa. Vamos ao que interessa:
Antipasto 1: nitro chá verde e mousse de limão.
Uma espuma de limão extraída de um sifão é jogada dentro de um potecom nitrogênio a 150 graus negativos, tornando-se imediatamentesólida, a comida vapt-vupt. O efeito? Quase nulo. Apenas amortece um pouco a língua; se soubesse o que viria pela frente, teria comido estas bolinhas como pipoca, para amortecer de vez o palato.
Antipasto 2: Ostra com molho de maracujá em mousse de gelatina.
Gostaria de deixar aqui uma pergunta: existirá no universo algum tipode molho que melhore uma ostra? Duvido. O nosso era um desses molhos que a nova cozinha tanto adora. Fico imaginando quem foi o sujeito queinventou que a comida gourmand tem que ser agridoce. Guilhotina nele.
Antipasto 3: Sorvete de mostarda com gaspacho de beterraba.
Desfrutamos o gaspacho de beterraba, com um insípido pãozinho servido frio. Quanto ao sorvete de mostarda, é exatamente o que se pode imaginar de um sorvete de mostarda. Estranhíssimo.
Antipasto 4: Pequenas geléias de sabores variados, que não consigodescrever, e cuja matéria-prima ninguém conseguiu identificar.
Antipasto 5: Pequenas torradas com trufas pretas. Excepcionalmente, são sólidas e normais na aparência. Chegaram a ser negociadas a pesode ouro, mas ninguém vendeu as suas. Mesmo sabendo, nós e o Sr. Blumenthal, que as trufas encontradas nesta época do ano são as piores que existem. Gostaria de fazer aqui um aparte: trufa é algo sublime que costuma mudar para melhor quase tudo aquilo que toca. Não confundir com óleo de trufa, que costuma ter o efeito contrário: destrói tudo e parece feito pela Esso, pois tem gosto de gasolina.
1º prato: Escargots com presunto espanhol e erva doce "barbeadas". Muito saboroso.
2 º prato: A quantidade de açúcar que acompanha o foie gras com cereja e camomila nos trouxe de volta à realidade.
3 º prato: Chamado sound of the sea; um espuma branca de textura estranhíssima, com uma espécie de areia-farofa servida ao lado. Eacompanhada de quê? De um iPod. Sério! Todos nós recebemos o aparelho, que fomos obrigados a usar, e que reproduzia barulhos do mar. Detalhe: o meu tinha uma camada extra de cera no fone de ouvido, deixada peloúltimo comensal. Fingi que não percebi e coloquei o meu, afinal decontas as pessoas vão ao Fat Duck para aplaudir, não para reclamar. Fica aqui uma sugestão, seria muito mais higiênico e faria o mesmo efeito, uma concha marinha.
Após retirarmos o iPod, Regina comentou: "Estive mês passado no que é considerado o restaurante mais antigo do mundo, que serve assados em Madri". A mesa quase veio abaixo. A curiosidade voltou-se toda para oque Regina havia comido. Isay, eu e Ana comentávamos o excepcional jantar que tivemos no Harry's Bar de Londres, um clube privado, que serve cozinha italiana, na síntese da modernidade: rústica, porém delicadíssima.
4 º prato: Já estava perdendo a paciência com nosso amigo Pato Gordo quando chegou um salmão pochê com aspargos, alcaçuz e grapefruit. Semexageros, considero o pior salmão que comi na vida.
Último prato: Excepcional costeleta de carneiro, porque estávamos naterra do melhor carneiro do mundo, mas era servida com um molho doce, muito doce. O Fat Duck é quase uma confeitaria, que serve alguns salgados.
Meu jantar aqui chegou ao fim. Pulei os doces, pois já tinha comido açúcar demais. Assim fez também Drauzio, que não come açúcar e já tinha ingerido sua dose pelos próximos 20 anos. A sobremesa mais famosa do lugar é um sorvete assim descrito: "nitro-ovos mexidos esorvete de bacon". Se o sorvete de mostarda já tinha sido duro, o que fazer então com a versão em bacon?
Os outros à mesa receberam o sorvete, mas apenas o tocaram, o que deixou os maîtres um pouco indignados. Não nos importamos muito, pois sabemos que nesses restaurantes, na grande maioria das vezes, o serviço é insuportável. Desde que alguns chefs foram elevados à categoria de diretores de cinema, seu staff age como coadjuvante degrandes estrelas. Eles se sentem contracenando com Marlon Brando oucomo assistentes de câmera de Stanley Kubrick.
Exceção feita a um simpático irlandês, ruivo, que a cada esquisitice servida à mesa, com muita ironia, após dez minutos de explicação decada prato, nos dizia: enjoy it! Como os recepcionistas da casa doshorrores.
Olhei para Isay - arquiteto moderno, antenado, culto, contemporâneo, enfim, entre os grandes - e entendi o que ele sente quando esta arquitetura feita com formas esdrúxulas é considerada moderna.
The end: a conta, 1.300 libras ou R$ 5.600, incluindo uma minúsculataça dos seguintes vinhos e saquê: Iphofer Kronsberg Silvaner SpatleseTrocken 2005; Vin de Pays des Côtes Catalanes, Le Soula, Roussillon;Vinoptima Gewürztraminer Reserve Gisborne; Rashiku Ginjo-SakeYamatogawa; Quinta da Falorca Reserva Dão; Barolo, Nei Cannubi LuigiEinaudi. Voltamos ao nosso motorista, mais inglês impossível, eacostumado a levar pessoas ao Fat Duck, que com muito sarcasmopergunta: "Any good?" Isay de bate pronto: "No". Motorista: "Lots of people say that". Penso: nem tudo está perdido.
(PS: Se você quiser passar pelo mesmo tipo de refeição, a espera é de aproximadamente dois meses.)
* Rogério Fasano é proprietário dos restaurantes Fasano, Parigi e Gero
22.5.07
Rogério Fasano, meu mais novo ídolo




Eu sempre tive uma certa má vontade com Rogério Fasano, que costuma ser chamado de "restaurateur" (acima, na foto de Marco Antonio Teixeiraque, que "emprestei" da Agência O Globo, como vocês podem notar). Confesso. Mas agora estou abestalhada, depois de saber um pouco sobre as opiniões gastronômicas deste moço, o que me fez alçá-lo à condição de ídolo na minha galeria. No último Paladar, caderno sensacional do Estadão, que sai às quintas-feiras, Fasano escreveu brilhantemente sobre sua visita ao restaurante The Fat Duck (na cidadezinha de Bray, a uma hora de Londres. Veja as fotos do ambiente e da fachada), do chef Heston Blumenthal, que tem revezado com Ferran Andriá o posto de melhor do mundo. Mil desculpas, mas alguém aí suporta espuma, redução, sifão e outras melecas deste gênero? Ah, bom, porque eu detesto. A matéria do Fasano é espetacular, mas não posso transcrevê-la inteira (porque eu perderia horas e horas do meu dia) nem linkar o texto do jornal, já que não sou assinante e, por isso, não tenho acesso (droga!). Mas faço questão de deixar aqui alguns trechos:
"Antipasto 1: nitro chá verde e mousse de limão. Uma espuma de limão extraída de um sifão é jogada dentro de um pote com nitrogênio a 150 graus negativos, tornando-se imediatamente sólida, a comida vapt-vupt. O efeito? Quase nulo. Apenas amortece um pouco a língua; se soubesse o que viria pela frente, teria comido estas bolinhas como pipoca, para amortecer de vez o palato.
Antipasto 3: sorvete de mostarda com gaspacho de beterraba. Desfrutamos o gaspacho de beterraba, com um insípido pãozinho servido frio. Quanto ao sorvete de mostarda, é exatamente o que se pode imaginar de um sorvete de mostarda. Estranhíssimo.
Antipasto 4: pequenas geléias de sabores variados, que não consigo descrever, e cuja matéria-prima ninguém conseguiu identificar.
Terceiro prato: Chamado sound of the sea, uma espuma branca de textura estranhíssima, com uma espécie de areia-farofa servida ao lado. E acompanhada de quê? De um iPod. Sério! Todos nós recebemos o aparelho, que fomos obrigados a usar, e que reproduzia barulhos do mar. Detalhe: o meu tinha uma camada extra de cera no fone de ouvido, deixada pelo último comensal.
Quarto prato: Já estava perdendo a paciência com nosso amigo Pato Gordo quando chegou um salmão pochê com aspargos, alcaçuz e grapefruit. Sem exageros, considero o pior salmão que já comi na minha vida."
Ah, sim. Só a conta do Fasano foi 1.300 libras, ou R$ 5.600, incluindo com algumas taças de vinhos variados. É isso aí. Agora querem até que estes chefs virem artistas plásticos. Não seria má idéia, se eles deixassem os alimentos em paz. Isso, minha gente, vão caçar o que fazer, como diz uma amiga minha.
23.4.07
Dia de Jorge

No Rio, São Jorge (ou Ogum) é tão querido que fizeram um feriado para ele. Não tenho religião, mas acho a história do guerreiro do cavalo branco linda demais. E as imagens também. Por isso, vai aqui minha homenagem: salve Jorge!
(São Jorge nasceu na Capadócia, Turquia, no ano de 280. Foi para a Palestina, ingressou no exército de Diocleciano, tounou-se conde e tribuno militar. Matou um dragão para salvar a filha de um rei e os habitantes de uma cidade. Com as peseguições aos seguidores de Cristo, não negou sua fé e foi condenado à tortura: lanças dos soldados, o peso de uma grande pedra, navalhadas e o calor de uma fornalha de cal. Saiu vitorioso de todas elas. Foi degolado no dia 23 de abril de 303. Hoje, São Jorge representa o orgulho e a força dos corajosos que enfrentam desafios.)
16.4.07
Batatas, meu amor I

"Nossa história começa há uns 28 milhões de anos, com fendas sísmicas, precipícios brutais, trovões assustadores, despenhadeiros radicais, erupções vulcânicas, temperaturas desgovernadas, terremotos. Depois de tantas ações, reações, lutas, conflitos e adaptações, um mimo da natureza: ergue-se a Cordilheira dos Andes e ocorre a formação de um dos maiores centros de diversidade biológica do mundo.
Nesse cenário de força, vigor e variedade, açambarcando desde áridos desertos à luxúria da vegetação amazônica, surge um alimento que, pouso a pouco, se tornou importante para o homem. Salvou povos da fome, foi pintado por Van Gogh, navegou no espaço via Space Shuttle Columbia, da Nasa, revelou incrível capacidade de render muito a custos baixos, foi citado por Shakespeare, agrada aos gourmets (ah, o purê do Joël Rebuchon!) e aos adeptos do fast-food (que tal umas fritas agora?). Talvez seja o único legume que as crianças aprovam e comem sem reclamar.
A batata é camaleoa: consegue ser clássica, barroca e moderna. Nem salgada, nem amarga, nem ácida. É acolhedora, cadeira de balanço, colo de avó, carinho de mãe, presença do pai. Comfort food, definem os foodies. Enfrentou calúnias: uns diziam que dava lepra; outros, que era veneno puro; outros, ainda, que não podia ser comida por não ser mencionada na Bíblia e por ser a 'planta do Diabo'.
Em suma, onde houvesse batata, haveira algo de podre. Nada mais errado. Hoje, ela é o quarto alimento mais consumido do mundo, com produção anual acima de 300 milhões de toneladas. Só fica atrás do arroz, do trigo e do milho. Mas está florescendo em todas as partes do mundo, é mais eficaz e ocupa menos espaço que os demais cultivos. A China hoje é seu maior produtor.
Entre suas mil e uma utilidades, tira cheiros da geladeira, ajuda a limpar espelhos, vasos de cristal, panelas e prataria; entra na fabricação do papel. Como compressa, serena a pressão nos olhos e ajuda a deter o sangramento de feridas. Seu suco é um conforto para úlceras gástricas, elimina parasitas intestinais e, ralada, alivia queimaduras. Faz desaparecer dores reumáticas e, cortada em rodelas, posta sobre a testa, debela enxaquecas. Máscaras de batata previnem rugas e reduzem inchaços".
Batata, de Danúsia Bárbara, com fotos de Sergio Pagano.
Lá em cima, batatinhas com manteiga, alho, sal e cheiro verde. Para mim, tá mais que bom. Morro feliz depois de comer um pratinho desses.
11.4.07
O Estômago e o Sexo

"Toda a existência humana decorre do binômio Estômago e Sexo. A Fome e o Amor governam o mundo, afirmava Schiller.
Os artifícios da astúcia, disciplina da força, oportunidade da observação aplicada, são formas aquisitivas para a satisfação das duas necessidades onipotentes. O sexo pronucia-se em época adiantada apesar das generalidades delirantes de Freud. O estômago é contemporâneo, funcional ao primeiro momento extra-uterino. Acompanha a vida, mantendo-a na sua permanência fisiológica. O sexo pode ser adiado, transferido sublimado em outras atividades absorventes e compensadoras. O estômago não. É dominador, imperioso, inadiável. Por isso os alemães dizem que o sexo é fêmea e o estômago é macho. Pérsio fazia do ventre o mestre das Artes, subornador do engenho. Magister artis ingenique largitor, Venter... A Fome faz cessar o Amor, diziam os gregos. Erota pamei limos. O Eclesiastes adverte que todo trabalho do homem é para sua boca. São Paulo temia-lhe a intervenção na obra divina da redenção: 'Não destruas por amor da comida a obra de Deus' (Aos Romanos, XVI, 20). Vinte ventres!, proclamava Caio Lucílio, 149-103 anos antes de Cristo."
Luís da Câmara Cascudo, nas primeiras linhas de História da Alimentação do Brasil
Os artifícios da astúcia, disciplina da força, oportunidade da observação aplicada, são formas aquisitivas para a satisfação das duas necessidades onipotentes. O sexo pronucia-se em época adiantada apesar das generalidades delirantes de Freud. O estômago é contemporâneo, funcional ao primeiro momento extra-uterino. Acompanha a vida, mantendo-a na sua permanência fisiológica. O sexo pode ser adiado, transferido sublimado em outras atividades absorventes e compensadoras. O estômago não. É dominador, imperioso, inadiável. Por isso os alemães dizem que o sexo é fêmea e o estômago é macho. Pérsio fazia do ventre o mestre das Artes, subornador do engenho. Magister artis ingenique largitor, Venter... A Fome faz cessar o Amor, diziam os gregos. Erota pamei limos. O Eclesiastes adverte que todo trabalho do homem é para sua boca. São Paulo temia-lhe a intervenção na obra divina da redenção: 'Não destruas por amor da comida a obra de Deus' (Aos Romanos, XVI, 20). Vinte ventres!, proclamava Caio Lucílio, 149-103 anos antes de Cristo."
Luís da Câmara Cascudo, nas primeiras linhas de História da Alimentação do Brasil
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