16.3.10

Uma rabada e uma epifania


Vejam, não há nada de muito especial no fato de se comer uma rabada. A princípio, pelo menos, não deveria haver nada de muito especial. Acontece que a beleza dos momentos, os tais segundos de felicidade dos quais são feitas as nossas vidas, como já disse alguém, estão justamente nas coisas mais simples, nos atos mais corriqueiros, do cotidiano, da vida ordinária que levamos, do rame-rame, enfim. A princípio, pelo menos, é lá que deveriam estar nossas promessas de alegria. E eis que aí entra a rabada. Simples. Aliás, de uma simplicidade rara - a rabada leva pedaços de carne dura, despretensiosa, lentamente cozida, e batatas. Outras vezes, mais legumes, como cenoura. No Brasil, agrião. No entanto, a despeito da sua própria simplicidade, não há o que se compare a uma bela rabada. Um dia alguém me disse "minha mulher prepara uma rabada sensacional lá em casa: sem gordura nenhuma". Aquele SEM GORDURA me soou terrivelmente, fez marcas nos meus tímpanos. Não bastasse o SEM GORDURA gritante, o sujeito acrescentou um "nenhuma". SEM GORDURA NENHUMA. Jesus. Então, nomeemos o novo prato, o tal rabo de boi light, mas nunca vamos nos referir a este atentado com o nome de RABADA. Ora, tudo tem seu lugar.

Por fim, os momentos de prazer que tive quando comi a rabada para sempre registrada na foto acima, em Madri, (e a imagem bem dá mostras do quão saborosa estava a maldita) são intraduzíveis, verdadeira epifania. As madeleines de Proust sentiriam inveja do meu rabo.

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