28.9.11

Arroz de alho da Alcione


Passei algumas horas com Alcione, na casa dela, e foi indescritível. Só lamento não ter provado da sua comida... A fama de cozinheira de mão cheia desta maranhense carismática como poucos corre o mundo -- até Gilberto Gil elogiou. Diz Alcione que gosta mesmo é dos pratos típicos de sua terra natal. Conversamos um pouco sobre isso, ao final da entrevista que fiz. E aproveitei - não sou boba nem nada - para pedir uma receita. Mas vou descartar o formato tradicional "ingredientes-modo de preparo" aqui, vale mais a pena ler as palavras da própria Alcione. Fala, Marrom!

Eu - Me dá uma receita, Marrom...

Marrom - Claro, receita de quê? Tem uma farofa de Neston que eu faço muito boa...
Eu - Farofa de Neston, não. Você já falou dela na televisão, eu vi no youtube.
Marrom - Ah, então tá, vou te dar uma receita de arroz de alho, gosta de alho?
Eu - Adoro!
Marrom - É para quando você chegar cansada do trabalho e quiser comer alguma coisa rápida. Aí tem aquele arrozinho guardado... Você pega uma panela ou frigideira, bota manteiga, umas três cabeças de alho picadas e estala dois ovos ali dentro. Quando está para ficar bom, você joga o arroz ali dentro, mexe rápido e apaga o fogo. E come. Não tem coisa melhor! Come e corre para o abraço! A gente pede perdão para Deus. Quando o ovo estiver ficando no ponto que você gosta de comer, joga o arroz. Não pode deixar muito mole. Vem com o gosto do alho, da manteiga e do ovo. Só com aquilo você janta. 
Eu - Sensacional... E o que você mais gosta de comer? Aquele prato que só de pensar já dá água na boca? 
Marrom - A coisa que mais gosto de comer é cuxá com arroz branco, ou arroz de cuxá. E torta de caranguejo, que é o melhor prato do mundo! Minha especialidade é torta de caranguejo, ninguém faz melhor do que eu nessa família. Eu sou imbatível. Agora, minha irmã faz uma torta de camarão seco e um bolo de aipim que ninguém faz melhor. Aquele bolo molhadinho, sabe? Hummm...  



Dona Onça: não tem preço




A primeira coisa que alguém me disse quando contei que ia ao Dona Onça, no Copan, foi qualquer coisa como "não pago 40 contos num prato de rabada mas nem que a vaca tussa..." Pois eu paguei e me regalei. Nossa senhora, nunca antes na história desse país houve uma rabada como aquela - para usar um jargão tão batido quanto o próprio praro. E meu marido raspou o prato de carne moída com quiabo, ovo frito, arroz branco. Também não tenho palavras para descrever a cremosidade e o sabor da polenta que acompanhava minha rabada - para ser despejada no prato ao gosto do frequês.

Tudo no Dona Onça é delicioso - exceto o preço, claro. Uma caipirinha sai por cerca de R$ 18,00. Acho um exagero. Mas confesso que, ao final, pagamos satisfeitíssimos. Saímos com a impressão de que, sim, é caro, mas sim, vale a pena. A conta, com entradinha, dois pratos, duas cervejas, caipirinha, sobremesa (mousse de chocolate com calda de frutas vermelhas?) e cafezinho, custou cerca de R$ 230,00. Não é para todo dia, obviamente. E sempre haverá os que acham que rabada boa só no boteco na esquina. Vá lá que eu também adoro uma tosquice, mas a rabada do boteco da esquina vale pelo preço, ambiente e todo o resto, menos pela comida em si. Já a do Dona Onça, simplesmente, não tem preço.

Ops, já ia esquecendo. Recomendo vivamente também os mini sanduíches de linguiça caseira como entrada.

Dona Onça
Avenida Ipiranga, 200, São Paulo

11 3129-7619
Metrô República

11.4.11

Boa surpresa no Bar do David, no Chapéu Mangueira




Começamos, eu e Sérgio Bloch, a fazer as pesquisas para o nosso Guia Gastronômico das Favelas do Rio - o título é provisório -, o segundo da série depois do Guia Carioca da Gastronomia de Rua. E estivemos, na semana passada, no Bar do David, no Chapéu Mangueira, charmosa favela do Leme. David serve uma feijoada de frutos do mar deliciosa, bem temperadinha, com feijão branco, camarões, lula e mariscos que, jura o dono do restaurante aberto há um ano, são pescados por ele (!). Além de simpático e dono de um belo sorriso, David é mergulhador e pescador.  Uma porção (gigantesca) de arroz branco, um potinho de uma saborosa farofa de alho, molho de pimenta caseira para acompanhar o prato e está garantida a satisfação do cliente.

A feijoada tem feito sucesso às sextas-feiras, e para quem trabalha ou está de bobeira por Copacabana ou Leme durante a semana, recomendo uma visita ao lugar. Para subir o morro, faça uso dos serviços de um mototaxi na entrada da ladeira Ari Barroso. E não se preocupe: o Chapéu Mangueira, assim como o Babilônia, ao lado, estão pacificados. No David, a porção "individual" sai por R$ 10,00, mas eu poderia, tranquilamente, dividir com outro esfomeado. Já o meu querido Sérgio, famoso bocão, devorou a dele sozinho. Enfim, quando se trata de comida boa, quantidade é algo relativo.

David só abre para o almoço, de segunda a sábado, e tem sempre quatro opções de pratos feitos por dia. Três delas nunca mudam - o filé de peixe com purê (R$ 8,00), filé de frango com purê (R$ 8,00) e o contrafilé com fritas (R$ 10,00). Os que passaram por mim a caminho de outras mesas me deixaram com água na boca. Diariamente, há sempre um prato diferente, pode ser carré, costela com agrião e outros. Na cozinha, quem comanda as panelas é a irmã de David, Maria Lúcia, que gosta de ser chamada de "Baby". Vida longa aos dois e à sua feijoada de frutos do mar.

31.3.11

Enchendo linguiça

Não sei quem escreveu, de onde surgiu, nada, nada. Só sei que duas amigas me enviaram por email, é um texto que rola por aí, nos infinitos domínios da internet. Achei que seria legal postar aqui, é super criativo e revela a importância dos atos relacionados à alimentação, dos ingredientes etc. para o nosso dia-a-dia. A língua portuguesa está repleta de expressões metafóricas que têm a comida como tema, e alguém resolveu alinhavar boa parte delas num texto único. Vejam, é bem legal:

"Quando comecei, pensava que escrever sobre comida seria sopa no mel, mamão com açúcar. Só que depois de um certo tempo dá crepe, você percebe que comeu gato por lebre e acaba ficando com uma batata quente nas mãos. Como rapadura é doce mas não é mole, nem sempre você tem idéias e pra descascar esse abacaxi só metendo a mão na massa. E não adianta chorar as pitangas ou, simplesmente, mandar tudo às favas.

Já que é pelo estômago que se conquista o leitor, o negócio é ir comendo o mingau pelas beiradas, cozinhando em banho-maria, porque é de grão em grão que a galinha enche o papo.

Contudo é preciso tomar cuidado para não azedar, passar do ponto, encher lingüiça demais. Além disso, deve-se ter consciência de que é necessário comer o pão que o diabo amassou para vender o seu peixe. Afinal não se faz uma boa omelete sem antes quebrar os ovos.

Há quem pense que escrever é como tirar doce da boca de criança e vai com muita sede ao pote. Mas como o apressado come cru, essa gente acaba falando muita abobrinha, são escritores de meia tigela, trocam alhos por bugalhos e confundem Carolina de Sá Leitão com caçarolinha de assar leitão.

Há também aqueles que são arroz de festa, com a faca e o queijo nas mãos, eles se perdem em devaneios (piram na batatinha, viajam na maionese...etc.). Achando que beleza não põe mesa, pisam no tomate, enfiam o pé na jaca, e no fim quem paga o pato é o leitor que sai com cara de quem comeu e não gostou.

O importante é não cuspir no prato em que se come, pois quem lê não é tudo farinha do mesmo saco. Diversificar é a melhor receita para engrossar o caldo e oferecer um texto de se comer com os olhos, literalmente.

Por outro lado se você tiver os olhos maiores que a barriga o negócio desanda e vira um verdadeiro angu de caroço. Aí, não adianta chorar sobre o leite derramado porque ninguém vai colocar uma azeitona na sua empadinha não. O pepino é só seu, e o máximo que você vai ganhar é uma banana, afinal pimenta nos olhos dos outros é refresco.

A carne é fraca, eu sei. Às vezes dá vontade de largar tudo e ir plantar batatas. Mas quem não arrisca não petisca, e depois quando se junta a fome com a vontade de comer as coisas mudam da água pro vinho.

Se embananar, de vez em quando, é normal, o importante é não desistir mesmo quando o caldo entornar. Puxe a brasa pra sua sardinha que no frigir dos ovos a conversa chega na cozinha e fica de se comer rezando. Daí, com água na boca, é só saborear, porque o que não mata engorda."

17.3.11

Jamie Oliver nas páginas amarelas

Vamos de Jamie Oliver! Uma entrevista publicada na revista Veja, em junho de 2010. Esse menino sempre tem algo interessante a dizer...



3.3.11

Viva o Mocotó!




O Mocotó é meu mais novo restaurante preferido em São Paulo. Tudo bem que ele não é tão novo assim nem faz tão pouco tempo que estive lá, levada por Claudinha, minha amiga, minha irmã. O lugar existe desde os anos 70, mas a nova fase começou há menos de cinco anos, com o jovem chef Rodrigo Oliveira, filho de Zé Almeida, dono do estabelecimento. Para quem não é da Zona Norte, chegar lá, na Vila Medeiros, pode ser uma longa jornada, mas vale cada segundo de trânsito, eventuais voltas para encontrar o caminho e qualquer meia hora de espera na fila.

Caldo de mocotó, linguiça, escondidinho, chips de aipim, panelinha de carne com aipim e legumes... o cardápio é extremamente criativo, brasileiríssimo, nordestino para ninguém botar defeito. E tudo que provei da cozinha beirava a perfeição. Sem falar no clima descontraído do lugar - que tem preços justos, aliás -, na cerveja de garrafa, na cachacinha, nos amigos. Viva o Mocotó, já estou com saudades!

2.3.11

Magret de pato e outras coisinhas da Manu Zappa






Fiz uma aula de magret de pato com a querida chef Manu Zappa, no Prosa na Cozinha! Em tom super informal, descontraído, uma turma de oito pessoas aprende as receitas deliciosas que ela prepara de três a quatro vezes por semana. Ontem à noite foi a minha vez.

Manu é craque - e fã de batatas, como eu. Cozinha com jeitão espontâneo, ensina como quem quer aprender, sem verdades absolutas. Nem barrigão de oito meses a impede de qualquer coisa. Aprendemos a fazer magret de pato, com uma tal couve frita - ou crocante, para ficar mais chique - que, eu disse ontem mesmo, ganhou o prêmio revelação da noite, e purê de pesto. De sobremesa, um suflê de chocolate facílimo e delicioso.
Ou seja, sensacional. Valeu, Manu!

Quem quiser saber mais, clique aqui.
Eu recomendo!

22.2.11

Agora vai!

Quem é vivo sempre aparece.
Quero dizer que, contra a vontade de todos vocês, eu voltei.
Portanto, me aguardem.

12.4.10

Salve o Zé do Pipo - porque não há originalidade possível


Opa! Finalmente, depois de um bom tempo, segue uma receita desta que vos fala - ou melhor, como diz minha grande amiga Josi, dona do Pastifício Dell'Amore, em se tratando de receita de bacalhau, é difícil não cair na mesmice. Se a mestre-cuca diz isso, eu, amadora que sou, não posso pedir desculpas por não haver originalidade possível em relação ao meu bacalhau de Páscoa. Portanto, sai um Zé do Pipo quentinho, do jeitinho que preparei.

- 900g de lombo de bacalhau seco dessalgado
- cerca de 1,5 de batatas (será que foi tudo isso? tenho dúvidas...)
- maionese (meio pote daqueles grandes). Aqui usamos uma natureba e feita com óleo de girassol, deliciosa.
- salsinha
- cebolas (bastante, cerca de 5)
- alho (uns três ou quatro dentes)
- 1 litro de leite
- manteiga, azeite
- sal, pimenta, obviamente
- iogurte, se quiser

Well, Manoel. Refogue a cebola e o alho em manteiga e azeite, sal, pimenta do reino. Deixe que ela caramelize, se bronzeie, ganhe aquele dourado cheio de promessa. Reserve. Cozinhe o fiel amigo 'baca' no leite. É rápido, não deixe o bichinho se despedaçar todo. Depois, tire as espinhas, as pelinhas e desmanche-o em lascas. Misture com a cebola, mas não leve ao fogo. As batatas, que você cozinhou e tirou as cascas (depois de cozidas) enquanto fazia tudo isso, agora vão para o mesmo leite. Deixe lá no fogo, para ficarem bem macias, porque você vai amassá-las. Faça um purê com manteiga e o mesmo leite. Dê uma temperada na maionese: pimenta, salsinha, azeitonas. Misturei um pouco de iogurte orgânico desnatado para que ficasse um pouco mais 'azedinha' e fluida, você pode tentar o mesmo. Tudo pronto, monte o prato numa travessa que vá ao forno: azeite, uma base fina de purê, bacalhau com a cebolas, maionese, e purê de novo, agora para fechar a tampa. A camadinha crocante em cima é garantida por uma leve barrada de maionese. Forno (rápido, coisa de 10, 15 minutos, para que mantenha a cremosidade). E 'já está', como dizem os nossos amigos (por)'tugas'. Acho que o segredo da receita é um purê cremoso, nada daquela coisa dura. Mande brasa.
* Alô, Fabiana! Você não tinha pedido uma outra receita? Aí está!

5.4.10

Saudades de Amália, na revista Gosto


Finalmente "publico" aqui a matéria que escrevi para a belíssima revista Gosto, em dezembro, sobre Amália Rodrigues: um passeio pela personalidade da maior estrela da cultura portuguesa através das suas preferências gastronômicas. É só clicar nas fotos para ler. Espero que gostem.





1.4.10

Tudo que nos representa

Detesto o tom "professoral", e perdoe se farei uso dele. Mas é rápido, prometo. Faça um exercício e, na próxima refeição, ao escolher o que vai comer, pergunte a si mesmo: por que como isso? Surgirão explicações de várias naturezas, ideológicas, políticas, culturais, psicológicas, éticas, de saúde... Pronto. É apenas um bom começo para deixar de se fazer, mecanicamente, algo que, três ou mais vezes ao dia mantém conexões profundas com o mundo à nossa volta, que é definitivamente afetado e transformado por nossas escolhas. Pode parecer fútil, inútil, falar de alimentação, mas estou mesmo é falando de política, lato sensu - e vamos desenvolver o tema em outro post, e de cultura. Por ora, fiquemos com as questões culturais que envolvem o ato de comer.

Vamos à macaxeira cozida que comi dia desses. Tomei emprestada a frase, para o título deste post, de um grande amigo, Eduardo Marini. Ele sempre repete a bendita quando o assunto é qualquer coisa que se relacione com sua identidade cultural, e de que goste MUITO. Normalmente, atribui aos (e nos) botequins da vida e a tudo que a eles se relaciona, cerveja de garrafa, batatinha calabresa, bolinho de bacalhau. Também cabe quando a conversa (de botequim, claro) é sobre música. Paulinho da Viola, Caetano Veloso "é tudo que me representa".

Lembrei da frase porque, ao sentar para escrever este post, sobre as delícias que uma amiga nordestina preparou (aipim cozido com manteiga, paçoca de carne de sol com feijão fradinho e um mexido de jerimum com charque e cebola), lembrei que a intenção do almoço era justamente fazer com eu me lembrasse um pouco do Brasil. O convite surgiu depois de uma aula no mestrado em que debatíamos a importância da alimentação brasileira para os brasileiros imigrantes. Impossível descrever o quão fundamental é o papel da comida para amenizar as agruras de quem vive longe.

Os que estão fora de seu país não poupam esforços para "arranjar" uma comida qualquer que os aproxime de casa. Para quem não pode bancar uma refeição na rua (sim, só em Coimbra há oito restaurantes especializados em culinária brasileira), resta "contrabandear", pedir para os parentes enviarem pelo correio, exigir que os amigos tragam quando vão ao Brasil. E dá-lhe pacote de pão de queijo Yoki, café Caboclo, carne de sol, farinha de mandioca fininha, feijão preto, doce de leite (porque o daqui "não é igual"), e por aí vai.

Isso ocorre porque o ato de escolher o que se vai comer é uma peça fundamental deste grande mosaico que é nossa identidade cultural. Optar por determinados alimentos e não por outros é dizer: "isso é tudo o que me representa". Comemos macaxeira, aipim ou mandioca, carne de sol, abóbora porque somos brasileiros. E Shirley, a responsável pelas delícias das fotos acima, come e cozinha estes ingredientes sobretudo porque é nordestina (de Natal). No último livro de Massimo Montanari publicado no Brasil, "O mundo na cozinha: história, identidade, trocas" (Senac, 2009), o historiador diz logo na introdução: "Exatamente como a linguagem, a cozinha contém e expressa a cultura de quem a pratica, é depositária das tradições e das identidades de grupo. Constitui assim um extraordinário veículo de autorrepresentação e de comunicação (...)."

Portanto, que os brasileiros não se furtem das macaxeiras da vida, que é como exercer nossa brasilidade, dar ao corpo à mente o que eles precisam para saber a que mundo pertencem.

29.3.10

Câmara Cascudo II

"Há muitos anos discutiu-se no Brasil se o esporte estava deseducando a mocidade ou era o alheamento às fontes da literatura clássica, dando equilíbrio, medida, clareza, disciplina.

Para mim, um dos fatores negativos é a decadência nacional da refeição doméstica, o abandono dos pratos tradicionais no cardápio de certos grupos sociais mais fornecedores de rapazes e moças aos colégios e às universidades. Não é o alimento em si, na potência intrínseca de sua substância, a fonte isolada da força vital. São os elementos psicológicos decorrentes da refeição. Cada vez há menos refeição e mais comidas, fáceis, encontráveis, vendidas nos botequins elegantes ou nas cantinas universitárias. A alimentação das classes jovens fundamenta-se numa série de sucedâneos e de "provisórios", de coisas supletivas, aperitivais, respondendo à fome sem eliminá-la. Há comida sintética, indicando na orla do menu o número de calorias contido. Prever, pelo dinamômetro, a intensidade da energia útil suficiente para abraçar a noiva. (...) Perde-se a continuidade na padronização do cachorro de qualquer temperatura e do sandwich de qualquer coisa. Do sapiens ao qualunque.

"História da alimentação no Brasil" (1967-1968)
pp.350-351, Global Editora, 2004

27.3.10

A carne não é fraca


Iris Palhas traçou com prazer um sanduíche recheado de patê de cogumelos, alface e semente de linhaça enquanto dava esta entrevista. Soa 'natureba'? Pois então saiba logo o que interessa: Iris nunca comeu um pedaço de carne em todos os seus 27 anos de vida. Um mísero bife, uma fatia, um naco sequer. Nada. É um caso raro, por isso, musa absoluta dos seus colegas de 'ovolactovegetarianismo', e filha e neta de vegetarianas (o que explica uma boa parte do fenômeno).

Iris é lisboeta, formada em Eco-Agroturismo e não conhece ninguém com um histórico de renúncia à carne como o seu (tampouco eu e, muito provavelmente, você), mas sabe que "existem alguns muito poucos em Portugal". É uma jovem alegre, sorridente, agitada, faladeira, engajada, militante - prega aquilo que pratica, mas não se engane, Iris não é inconveniente. Pelo contrário. Sobre as razões que a levaram a manter seu vegetarianismo mesmo quando já podia escolher o que comer, foi tão poética quanto evasiva: "Apenas fico contente por estar viva, correr, pular, me divertir e ser feliz sem precisar matar e comer animais". Leia a entrevista de Iris a esta blogueira e, depois, belisque um pastel de tofu preparado por ela e anote a receita - aliás, a moça cozinha e muito bem. Portanto, fique à vontade.

A pergunta óbvia: como você chegou até aqui sem comer carne, sequer na infância?
Sou a terceira geração de vegetarianos da minha família, fui educada assim. Não sei dizer as razões que levaram minha avó a ser vegetariana, sei apenas que nasci com isso. Já aconteceu de eu comer sem querer uns pedaços de peixe numa sopa. Aliás, caldos em geral podem ser perigosos...

E quando começou a crescer, questionou, pensou em desistir...?
Pensei. Até ir para a escola, ser vegetariana para mim era normal, era simplesmente a minha alimentação de casa, do dia-a-dia. Mas os colegas perguntavam, achavam estranho, então passei a questionar também. No entanto, resisti. Depois, aos 19 anos, já na universidade, questionei a sério, eu me perguntava se não devia pelo menos experimentar, conhecer. Fui procurar entender melhor o vegetarianismo, estudar, ler, ver filmes, saber se podia me causar problemas. Foi aí que me engajei de verdade, me tornei consciente. Hoje me considero vegetariana por opção, por razões ecológicas e outras, mas principalmente porque não gosto da ideia de comer animais - afinal, nós, seres humanos, também somos animais.

Você se sente diferente dos outros, de todas pessoas que conhece, por nunca ter provado um pedaço de carne?
Sim, me sinto diferente. Este é o aspecto mais importante da minha vida, da minha educação, da minha profissão. Se eu não fosse vegetariana, seria uma pessoa totalmente diferente. É no fato de não comer carne que baseio todas as minhas escolhas, da comida aos lugares que frequento, livros que leio, tudo. É a minha maneira de ver o mundo.

Imagino que não seja fácil ser vegetariana neste mundo. São muitos percalços?
Depende. Já tive que trabalhar fazendo compras para um restaurante e me sentia indisposta na ala das carnes do supermercado, por exemplo. Posso ter problemas para comer fora, mas é raro. E nunca deixei de ser convidada para a casa das pessoas... porque também como de tudo, não sou aquela vegetariana radical, que só come cereais integrais, etc. Longe disso!

Ah, você come as chamadas "bobagens" também?
Claro! Eu tenho os mesmos problemas de alimentação que todo mundo! Quando fico angustiada como muito... e adoro chocolates, doces, batata frita... tudo o que faz mal! Tive uma fase em que engordei bastante, aí precisei aprender a comer outras coisas, porque já estava enjoada de omeletes!

***
Iris presenteou este Anastácia com receitas e fotos deliciosas. Concebeu muitos pratos durante estágios universitários, especialmente um que teve um tema de nome compriiiido: "Elaboração de um manual de alimentação vegetariana para estabelecimentos de restauração e bebidas". Mas vamos por partes. Por ora, fique com o pastel de tofu, feito e fotografado por ela e que foram elaborados com:

- tofu triturado com alho e sal de ervas da figueira da Foz (das Salinas Eiras largas)
- batata cozida e desfeita
- cebola picada
- salsa picada
- ovo
- azeite
- óleo para fritar


25.3.10

Câmara Cascudo I

Decidi que vou postar 'pílulas' de Câmara Cascudo, que pretendo serem diárias, vejamos. A leitura de "História da Alimentação no Brasil" (1967/1968) deveria ser obrigatória para qualquer brasileiro em formação escolar. Por acaso, hoje acordei irritada com a ideia de que dietas curam tudo, de que a salvação dos males do mundo está na mudança alimentar (estar irritada com a ideia não quer dizer que eu não concorde em parte com ela, que fique bem claro). O que me incomoda mesmo é o fundamentalismo. E adoro o tom muitas vezes irônico de Cascudo. Vamos lá, à página 366 da edição da Global, 2004:

"Aloysio de Castro, num discurso aos doutorandos [em Medicina, provavelmente?] de 1924, resume a sátira de Tristan Bernard aos imprevistos dietéticos. O homem gordo quis emagrecer. Exercícios. Dieta. Ficou com as pernas finas. Banhos de lama. Dieta. Resfriou-se. Laringite. Dieta. Curou-se mas o estômago tornou difícil a digestão; falta de apetite. Dieta gástrica, corretora. Voltou a engordar."

Ah, sim, parênteses: a foto é de uma barraca de orgânicos, com direito a 'grama' para curar todos os males, no inesquecível Borough Market, em Londres.

Sacolas de mercearia

sabe como é que faz
para ser feliz nessa porcaria?
sair andando
carregando
sacolas de mercearia

23.3.10

Quem é que não gosta de sardinha? (e de Amália?)




"O carapau e a sardinha"
Amália Rodrigues

De uma sardinha fresquinha
Diga-me lá quem não gosta
Salpicadinha, viva da costa
Assim vivinha,
Chegadinha de Cascais
Prateadinha
De comer, chorar por mais

Quem é que não gosta
Quem é que não gosta
De uma sardinha
Salpicadinha da costa?

Quando se ouve o pregão
Vê-se logo a mesa posta
Comer à mão, como se gosta
Muito gordinha
No pão saloio a pingar
Uma buchinha
Prá sardinha não queimar

Juntei uma petinguinha
Com um lindo jaquinzinho
Ela assadinha, ele fritinho
O casamento naquele dia se fez
Foi o padrinho o verdinho português

Quem é que não gosta
Quem é que não gosta
De uma sardinha
Salpicadinha da costa?

O carapau e a sardinha
Qual é o mais popular?
É a sardinha, não há que errar
Dos jaquinzinhos
Bem fritinhos, gosto eu
Mas a sardinha
É um petisco do céu

Quem é que não gosta
Quem é que não gosta
De uma sardinha
Salpicadinha da costa?

21.3.10

O pão quentinho de Óbidos

Coisas que só se pode ter em Portugal: deliciosos pães recheados preparados por simpáticas senhoras em sua simpática cozinha na linda e muito mais que simpática cidade de Óbidos. Se alguém um dia rascunhasse uma lista de remédios para a alma, colocaria certamente o pão caseiro quente no alto do ranking - ali, em primeiro ou segundo lugar, tendo como companheiro a batata assada com manteiga e o mingau de aveia com açúcar e canela...

Lá em casa - "minha casa" ampliada, que inclui as casas da minha avó, tios e tias -, entre um pão e outro preparado pela dona Ignez, minha avó querida, há sempre uma polêmica em torno dos segredos que envolvem o preparo de um bom pão, "é a mão do cozinheiro", "é o tempo de descanso", "é a temperatura do forno"... Lá pelas tantas, dona Cecília, responsável por esta que vos fala, repete sempre a mesma frase, em tom choroso: "Eu nunca aprendi a fazer pão como a sua avó". Sabe, sim, mãe, claro que sabe. É que o pão da mãe da gente é sempre melhor que qualquer outro!

Devo dizer que devoramos em família - eu e as tias! - este pão quentinho da foto, acompanhado de um bom vinho bebido no gargalo, dentro de um carro. Pão quente, vinho, família: é para ficar com a alma lavada!

20.3.10

Brigadeiros de saudades

Os brigadeiros são para você, minha doçura, minha irmã querida, para lembrar os incontáveis que já dividimos metendo nossas colheres na mesma panela.
Bel, a sua camiseta diz 'LOVE'.
Eu também.

Sol para as maçãs



Andei por aqui e ali em Coimbra e descobri que há qualquer coisa mágica neste lugar. Só não vê quem não quer. Mas, definitivamente, é preciso que haja sol. As maçãs precisam de luz para posarem bem nas fotografias.

17.3.10

Batatas ao murro na Pharmacia

O último sábado foi um dia feliz. Como diz a música, não vivemos esperando dias melhores? Pois então sábado foi um dia melhor. Senti como se os meus 32 anos e alguns meses bem vividos soubessem exatamente por quais razões afinal tinham me trazido até aqui, a Coimbra, e que exatamente aqui eu estivesse no sábado 14 de março de 2010, um dia lindo de sol, um dia feliz, melhor, num restaurante chamado Pharmacia. Ali descobri porque vivi todo este tempo, tracei determinados caminhos, fiz as escolhas certas e finalmente cheguei até aqui: para comer as batatas ao murro - e veja bem: com cebolas! - que vocês podem admirar na foto. O lombo de bacalhau delicioso que as acompanhava é outra história. Batatas ao murro, Coimbra, sol, dias felizes, dias melhores.

Restaurante Adega Típica Pharmacia
Rua do Brasil (quer rua melhor?), 81/85, Coimbra